Intervenção de Fê Luz Foto: Rodrigo Sambaqui
O público
jovem que lotou as dependências do museu na abertura da mostra DESTERRO DESATERRO como há anos não se via,
mostrou o acerto do direcionamento que o MASC
assumiu. Centenas de jovens das
mais diversas áreas, como das artes visuais, da música, da dança, do teatro, da
performance, da literatura, prestigiaram
com sua presença esse importante ato cultural. Pensante, reflexivo, interessado,
capaz de decodificar o significado das obras e interagir com as mesmas, esse
tipo de público voltou a frequentar o MASC, pois percebeu que a partir do novo direcionamento
dado, o museu reencontrou seu caminho passando a liderar o setor das artes
visuais do Estado com uma programação coerente e qualificada.
DESATERRO
começa no próprio saguão do CIC com uma instalação de Raquel Stolf,
apropriando-se de uma cabine audiométrica utilizada para testes de audição, a
artista induz o espectador a entrar e ouvir através de um fone de ouvido o som
do seu batimento cardíaco. A vivência propiciada por esse momento de
recolhimento num local isolado dos sons externos, com a atenção voltada
unicamente para o próprio pulsar da vida em nosso corpo, é muito densa e
reveladora. Trabalhando sempre com extrema sensibilidade e sutileza, Raquel
pela densidade poética de suas intervenções é um dos nomes de maior destaque na
cena contemporânea catarinense. Não poderia ser melhor a escolha de sua
proposta para iniciar a mostra DESATERRO.
Instalação Raquel Stolf Foto: Rodrigo Sambaqui
Para a arte
de hoje interessa sobretudo o sentido, o
conceito ou ideia de que a obra é portadora. Quanto mais vigorosos e autênticos
esses conteúdos vivenciais, mais entusiasmo são capazes de suscitar.
É isso que
explica o grande fluxo de público não só na abertura como também o que vem ocorrendo
no decorrer da exposição.
Ao
aproximarmo-nos da porta de entrada do museu outra surpresa: o Grupo Tropicalista
formado pelos dois arquitetos e designers Marcelo e Jean transformou o anódino hall
de entrada do MASC numa criativa e ecológica instalação que funciona como um
espaço vivencial.
Instalação Grupo Tropicalistas - detalhe Foto: Rodrigo Sambaqui
Logo na
entrada das salas de exposição, num texto de parede que apresenta a mostra,
Josué Matos assina um contundente manifesto posicionando-se corajosamente sobre
a atual situação do museu, apontando para o que pode e deve ser feito para que
o MASC tenha reconhecida sua importância e possa cumprir plenamente o papel que
lhe cabe na sociedade catarinense.
Instalação Grupo Tropicalistas - detalhe Foto: Rodrigo Sambaqui
Um vídeo de
Tirotti apresentando imagens de um peixe nadando de um lado para o outro dá
inicio a sequência das obras expostas, que passeiam pelos mais diversos
caminhos disponíveis aos artistas de nossos dias, propondo sempre a busca
reflexiva através da imagem plástica. Uma surpresa é a presença significativa
de obras ainda possuidoras de materialidade, como é o caso dos diversos
artistas que recorreram ao desenho, a pintura, a assemblages, a escultura ou
até mesmo a cerâmica e a porcelana.
Imprimindo uma
nova dinâmica ao espaço expositivo, tornando-o um local não somente para
contemplação e fruição estética, mas, sobretudo para reflexão questionamento e
conscientização, a visão curatorial da mostra DESTERRO DESATERRO, na fluidez de
sua montagem, permite que o público circule livremente por entre o número
considerável de obras expostas criando seus próprios roteiros, estabelecendo
suas próprias conclusões a respeito das consonâncias ou confrontos entre uma
proposta e outra. DESATERRO propõe o exercício experimental da liberdade, estratégia
adotada pelos artistas como forma de não se deixarem manipular nem se atrelarem
aos valores do sistema.
Intervenção - Fê Luz - detalhe Foto: Rodrigo Sambaqui
Espalhadas
por todo o espaço do museu pequenas plaquetas de madeira com indicações e
textos tipo “SEU SISTEMA ESTA EM RISCO” constituem a proposta de Fe Luz, uma artista que vem
se notabilizando pela inserção destes dizeres no espaço urbano provocando o
olhar a reflexão e a atenção do passante.
Watcher - Diego de los Campos Foto: Rodrigo Sambaqui
Diego de los
Campos montou “WATCHER“, uma estrutura com sensores, que quando alguém se
aproxima movimenta os olhos e as três cabeças construídas com papel kraft
colocadas em forma de tridente uma ao lado da outra. O olhar perdido destes
personagens nos observa com a mesma melancolia do peixe que no aquário de
Tirotti nada de um lado para o outro sem conseguir sair do lugar onde se
encontra aprisionado.
Pintura - Diego de los Campos Foto: Rodrigo Sambaqui
Diego além
dessa montagem participa com uma inquietante pintura de uma vaca composta por
duas metades do corpo acopladas sem as cabeças compondo um enigma surreal.
Instalação - Juliano Jahn. Ao fundo 'Imperatriz Antropófaga - Lindote Foto: Rodrigo Sambaqui
A esquerda de
quem entra no MASC, na parede de fundo vê-se a imponente “IMPERATRIZ
ANTROPÓFAGA” de Lindote, representando através da figura mítica da escrava
Anastácia, o sofrimento e o genocídio a que foram (e continuam sendo)
submetidos, os povos que construíram esse país escravocrata durante os séculos da sua formação.
Coroada
simbolicamente com um exuberante buque de orquídeas tropicais “IMPERATRIZ
ANTROPÓFAGA” pontifica dentre os DESATERRADOS com sua convincente riqueza
técnica e conceitual.
'Imperatriz Antropófaga' - Lindote Foto: Rodrigo Sambaqui
Na parede ao
lado situa-se o “Vale das estranhezas”
de Cyntia Werner, obra que consta de uma série de desenhos realistas
representando os corpos nus de mulheres e homens de diferentes idades e raças marginalizados pelo sistema.
'Vale das estranhezas' - desenh - Cyntia Werner Foto: Rodrigo Sambaqui
Defronte a pintura de Lindote instalou-se a
proposta de Juliano Jahn que consta de um conjunto de bússolas colocadas sobre
cubos negros. Movimentando-se sem parar
e apontando para diferentes pontos, confundem nossa percepção espaço temporal subtraindo por instantes
nosso NORTE. Juliano encontrou uma maneira bem singular de colocar
seus questionamentos. Focando já há algum tempo as forças magnéticas como mote de seu trabalho, parece-nos que a Land
Art seria um campo onde ele poderia ampliar e expandir suas possibilidades.
Foto sobre metalatex - Karina Zen Foto: Rodrigo Sambaqui
Numa outra parede “Unidade composta” de Karina
Zen propõe a poesia visual de um painel
formatado pela justaposição de detalhes de fotos de nuvens, mar e ilha sobre superfície de metalatex.
Técnica mista - Juliana Hoffmann Foto: Rodrigo Sambaqui
Juliana
Hoffmann tendo como suporte placas de vidro marteladas superpõe imagens da
natureza sobre superfícies fragmentadas transparentes, criando efeitos visuais bastante
interessantes. A partir da quebra acidental de um vidro, Juliana soube
aproveitar o acaso e partiu ela mesma para martelar o suporte, até conseguir a
trama de ranhuras que dão um novo aporte às imagens que a artista sobrepõe ao
vidro. Esse dialogo com o material, essa percepção de novas possibilidades
expressivas que se abrem a cada passo, são fundamentais para o artista ir
desbravando cada vez mais caminhos desconhecidos, ampliando seu repertório e
não limitando-se a ficar simplesmente repetindo para sempre fórmulas que deram certo.
Técnica mista - Paulo Gaiad Foto: Rodrigo Sambaqui
Paulo Gaiad
reúniu diversos materiais criando uma
obra intitulada “SARA-INTOLERANCIA”, que aponta para a questão do ser
fragilizado exposto a exclusão, preconceito e injustiça social.
Objeto - Walmor Correa Foto: Rodrigo Sambaqui
Walmor Correa
mostra um relógio cuco onde o pássaro que assinala as horas é um esqueleto que
assombra com sua presença a passagem do tempo.
Diego Rayck
mais conhecido por suas interferências gráficas na própria arquitetura, optou por homenagear os setenta anos do MASC
fazendo uma releitura de duas obras do acervo, sendo uma de autoria de Iberê
Camargo. Trata-se de um trabalho de proporções diminutas, mas que chama a
atenção pela sensibilidade e precisão do traço.
Organizando
suas poéticas através da busca do desconhecido, a maioria dos participantes dessa mostra
elaborou propostas diversificadas, criativas, as vezes recorrendo ao humor,
outras a vertentes poéticas, como é o caso da proposta “Arcano Dez” de Luciana
Knabe ou de “Linha branca sobre simulação de mar” de Ian Campigoto e “Marcar o
dia com pedra branca e preta” de Claudia Zimer. Sempre instigantes e
desalienadoras, as obras que compõe DESATERRO vão sucedendo-se nos espaços do
MASC levando o espectador de uma surpresa a outra.
Técnica mista - Ian Campigoto Foto: Rodrigo Sambaqui
Há uma
preocupação ecológica evidente em muitos trabalhos, noutros um viés político ou
um explícito teor ideológico pretende através da arte mobilizar o espectador
para uma ação política mais atuante e crítica perante o que está por ai.
Instalação - Daniele Zacarão foto: Janga
“Escute o rio
Criciúma” de Daniele Zacarão, inspirada talvez no ‘Escute o Rio” de Cildo
Meireles, é um trabalho singelo que consiste numa placa amarela colocada no
chão fazendo com que o espectador tenha
que se agachar para ouvir o som do rio emitido por um gravador. Seu significado
é bem pertinente: é necessário parar de
destruir o meio ambiente, é necessário parar para ouvir, observar, perceber o
que esta acontecendo, abandonar o comodismo e despertar para a realidade que
nos cerca. Os rios estão morrendo e não fazemos nada, permanecemos passivamente
de braços cruzados. Uma ironia: o rio Criciúma praticamente nem mais existe,
seu leito foi totalmente canalizado e corre invisível por dutos subterrâneos no
espaço urbano, como acontece com tantos outros rios destruídos por uma urbanização
burra e predatória que não leva em conta nem mesmo a escassez planetária da
água sem a qual a vida não é possível no planeta.
Iftah Pelled Foto: Rodrigo Sambaqui
IFTAH PELLED
em seu trabalho reuniu diversos cubos transparentes com a lama que destruiu a natureza
na região de Mariana MG, num dos maiores desastres ecológicos jamais vistos.
Foto e instalação - Janor Vasconcelos Foto: Rodrigo Sambaqui
Janor Vasconcelos ao lado de suas expressionistas
cabeças de cerâmica expõe duas fotos onde aparece a água dos rios de
Siderópolis, região mineira de Santa Catarina, totalmente poluída pela indústria
de extração do carvão, que aos poucos vai dando um aspecto apocalíptico a
paisagem catarinense dos sul.
Instalação 'Ouvir nas conchas o ruído do mar' Juliana Crispe Foto: Rodrigo Sambaqui
Em meio a
tanta tragédia ecológica Juliana Crispe nos faz um convite poético para ”Ouvir
nas conchas o ruído do mar”, bela proposta que posiciona ao lado de um espelho
oval com uma figura desfocada no centro, dois caramujos situados um a cada lado
do espelho. A artista nos propõe uma vivencia sensorial singela, mas plena de
significados, que de certa forma homenageia as experimentações sensoriais de Lygia
Clark. Juliana vem se destacando não só como artista, mas como curadora e animadora
cultural, foi ela a principal responsável pela excelente coletiva do ARMAZEM 16
montada recentemente no CIC, mostra que
impressionou pela qualidade e consistência.
Video-Instalação - Yara Guasque Foto: Rodrigo Sambaqui
Outra
proposta interessante, com múltiplos significados, é o trabalho de Yara Guasque
resultante de sua pesquisa sobre a obra de Fritz Müller. A partir desse tema
Yara montou uma individual no ano passado no museu Victor Meirelles, sem dúvida
uma das mostras mais marcantes apresentadas no período. Intercalando recursos
da vídeo arte a plantas e objetos, posicionou um monitor com imagens de plantas
coletadas por Fritz Müller montadas sobre cartão pertencentes ao acervo do
Royal College, na frente da tela Yara colocou ramos de macela e outras plantas
secas da flora catarinense. Para quem não sabe, Fritz Müller foi um importante
pesquisador da nossa flora, tendo inclusive colaborado com DARWIN de quem era
amigo e com o qual manteve farta correspondência.
Pela dimensão
da mostra seria fastidioso comentar o trabalho de cada participante assim
optamos apenas por destacar algumas obras que nos chamaram mais a atenção numa
primeira vista.
Video-instalação - Evandro Machado Foto: Rodrigo Sambaqui
Video: Luiza Lorenz
Muito bem
realizada a instalação de parede “Continente Antropométrico” de Evandro Machado
que une num mesmo painel desenho e vídeo arte numa perfeita interação entre um meio
e outro. Vale a pena conferir as linhas do desenho a nanquim dialogando com as requintadas
formas gráficas que se entrelaçam se contraem e se expandem no monitor que
ocupa o ponto central da montagem.
Instalação - Sergio Adriano Foto da instalação: Rodrigo Sambaqui. Detalhe: Luiza Lorenz
Chamam a
atenção também os objetos infláveis de Sergio Adriano com as palavras TU MATA
EU, balões dourados recortam-se sobre a parede sobre a qual em formato de
molduras foram carimbadas palavras como: preta, puta, viado, etc.
Há de tudo no
DESATERRO, propostas de diversos teores e com diferentes propósitos se sucedem
no espaço expositivo do MASC poucas vezes tão diversificado.
Roberta Tassinari Foto: Rodrigo Sambaqui
Não passam despercebidas,
mesmo em meio a tal profusão de obras
dos mais diversos formatos, as discretas placas cimenticias de Roberta
Tassinari, que propondo sempre um exercício de sensibilidade, expande nossa
percepção sobre a natureza e possibilidades poético expressivas de materiais
aparentemente inertes e sem vida.
Instalação 'Nossa Senhora dos Homens' - Mauricio Magagni Foto: Rodrigo Sambaqui
Um espaço de
sacralidade foi construído por Mauricio Magagni com sua instalação ”Nossa
Senhora dos Homens“, que consiste num tipo de tenda de tecido branco penetrável,
onde o espectador pode entrar e sentir-se protegido pelo grande manto que se
abre e acolhe.
Instalação - Mauricio Magagni - detalhe Foto: Rodrigo Sambaqui
Flávia Duzzo
utilizando bastão grafite sobre papel justapôs traços criando tensas
superfícies gráficas de grande força.
Fotografia - Giba Duarte Foto: Rodrigo Sambaqui
Giba Duarte marca
presença na coletiva com uma grande foto em que destaca a forma de um cavalo em
primeiro plano com sua cor neutra recortando-se contra planos de cor de
intensos amarelos e verdes de uma capela de madeira do interior, há algo de metafísico
nessa atmosfera, sem dúvida um belo e impactante trabalho.
'Dois Corpos' - pintura - Roberto Freitas Foto: Rodrigo Sambaqui
Já o conjunto
de pequenas pinturas e um objeto apresentado por Roberto Freitas, pela maneira
como conseguiu focar a fragilidade da condição humana, constitue-se na participação
mais pungente do DESATERRO. Sua proposta intitulada
”DOIS CORPOS“, expressa seu impasse perante a morte e a perda do ser amado.
Com sutileza incrível Roberto fala da separação dos corpos, da dor, da
complementação entre os espíritos, da flutuação e da levitação do SER. Em seu
objeto escultórico utiliza dois pequenos cubos de madeira posicionados um ao
lado do outro, sendo que um deles flutua suspenso por um imã ao mesmo tempo em
que desenvolve um movimento de rotação sobre si mesmo. Tratando com uma
sensibilidade inigualável a questão vida-morte, espirito-matéria, permanência-transcendência,
aborda uma das questões existenciais mais angustiantes que o ser humano
enfrenta. Roberto atravessou sua própria dor criando uma pequena obra antológica
com o seu inefável “DOIS CORPOS”.
'Dois Corpos' - objeto - Roberto Freitas video: Luiza Lorenz
Fernando
Weber com seus registros diários onde une fotos e textos, assinala num deles: ”As ruinas são caveiras
dispersas pela cidade”.
Vários outros
artistas poderiam ser mencionados, Julia Amaral com sua série meninas-elefante que consiste em alguns desenhos e um grande
elefante inflável. Fabiana Weilewicki com
seu vídeo instigante, Aline Dias com sua coluna de pastas de arquivo e suas
fileiras de traças coladas nas paredes, Lela Martorano com suas imagens
provenientes de fotos de álbuns de família impressas sobre papel de out-door,
Bianca Tomazelli e sua interferência quase imperceptível a um olhar mais
apressado, Gabriela Machado com suas pinturas seu desenho e sua surpreendente
peça de porcelana cromada, enfim tantos nomes mais com propostas igualmente
interessantes poderiam ser mencionados, porém esse artigo ficaria
excessivamente longo.
Objeto em porcelana policromada - Gabriela Machado Foto: Rodrigo Sambaqui
O que fica
bem claro para quem visita a mostra com atenção é que assim é o artista de hoje:
trabalha com e sobre o observador, estimulando sua consciência, sua percepção
sensorial, provocando um despertar ou elevação do seu nível de apreciação do
fato plástico e da realidade total, cumprindo assim um dos objetivos mais
nobres e vitais da arte. É isso que os artistas que participam do DESATERRO
propõem, utilizando-se dos meios
tecnológicos e dos recursos de sua época. Esse é um dos fatores que torna essa mostra tão
interessante, fazendo com que desperte tanto interesse e seja tão visitada.
As pessoas
saem dali mais ricas, mais sensíveis, mais despertas, não é só portanto uma
questão de achar feio ou bonito, gostar ou não gostar.
Conceito,
sentido e ideia são os pressupostos básicos sobre os quais trabalha o artista
lucido de hoje e é isso que está posto, não se trata de uma mostra definitiva
em termos históricos sobre o percurso percorrido pela arte contemporânea em
Santa Catarina pois muitos nomes fundamentais e incontornáveis ficaram de fora,
Mas não se trata disso, algo assim exigiria muito mais tempo e uma pesquisa
mais profunda para chegar a um levantamento completo.
DESATERRO mostra
como a arte contemporânea catarinense evoluiu. Há trinta anos atrás com muito
custo chegava-se a utilizar todos os dedos das duas mãos para contar quem
poderia participar com merecimento de uma mostra contemporânea, hoje felizmente
a situação finalmente mudou. Mesmo com um número relativamente grande de
participantes, DESATERRO deixou muita proposta boa de fora, na verdade se
quiséssemos fazer uma revisão completa de quem é quem na arte contemporânea
catarinense, o MASC seria pequeno para expor todos.
DESTERRO
DESATERRO funciona como um panorama da produção atual com algumas referências
históricas. Cumpriu bem seu papel de mostrar o patamar de excelência alcançado
pela arte catarinense nestas últimas décadas. Atualizada, alinhada com o que
vem se fazendo de melhor na produção nacional contemporânea, a arte catarinense
da atualidade conta hoje com vários nomes de projeção nacional, está inserida
pela primeira vez na história no circuito nacional das artes visuais. Muito
mais pode ser feito, mas ai já é outro assunto, por ora cumprimentos a todos
que participaram e aos seus idealizadores.
Instação - Aline Dias Foto: Rodrigo Sambaqui
De maneira
geral Desaterro retirou a obra do seu pedestal colocando-a no contexto
cotidiano sem mistificações nem tapetes vermelhos. Essa proposta de socializar a arte e entrega-la
ao poder efetivo do público converte a obra em proposta onde o processo conta
mais que o resultado final, o caráter processual de boa parte das obras
selecionadas deixa claro outra atitude, outra postura outro aporte. A dimensão
simbólica inovadora das obras selecionadas estabelece um dialogo franco com o
público, um dialogo interativo onde o outro tem sua identidade respeitada
atuando, influindo e encerrando o circuito criativo.
Negando-se a
ser o criador de bibelôs de luxo, decorador de palácios ou mansões suntuosas,
bobo da corte e beija-mão dos poderosos, os artistas contemporâneos assumem as
contradições do seu tempo tornando-se protagonistas de um processo que permite
vislumbrar um mundo menos vertical, menos injusto e desigual, mais humano mais
horizontal e compartilhado.
Se
conseguirão ou não contribuir para as coisas mudarem, a história dirá, por ora
já é gratificante perceber que, ao menos para as novas gerações, o interesse pelo social parece ter suplantado
interesses mercantilistas e individualista típicos dos narcisos endeusados pelo
sistema ao qual prestam vassalagem.
Esses artistas contemporâneos comprometidos
com os desafios de sua época antecipam o surgimento de uma sociedade sem mais
diferenças entre um e outro, onde o trabalho não seja mais uma atividade
escravocrata e alienante, uma sociedade que encare o lazer não como uma
ausência ociosa do trabalho, mas sim como o exercício pleno da criatividade e
da liberdade.
A Arte Contemporânea lida com o que se passa
no presente de forma como não o faz qualquer outro meio de arte, é ela também o
único campo que coloca como matéria-prima o diálogo com outras linguagens como
literatura, dança, áudio–visual, musica e outras formas de conhecimento, o
artista de nossos dias mais que preocupar-se com o resultado final do bem
feito, do bem acabado, propõe gestos, ações coletivas, movimentos no plano da
atividade criadora.
Como da para
perceber nas obras dos diversos artistas que compõem DESATERRO, a resposta ao
que nos preocupa, cerca, aflige, é imediata e recorre aos mais diversificados e
inusitados suportes. Para comunicarem–se utilizam os meios mais diversos tais
como pintura, fotografia, escultura, vídeo, desenho, arte têxtil, objeto,
instalação, cerâmica, colagens, assemblages, apropriações, etc. Inter-relacionando
estes materiais com a mais absoluta liberdade.
Traplev Foto: Rodrigo Sambaqui
TRAPLEV por
exemplo colocou em pontos estratégicos do espaço da mostra faixas de pano com
textos que questionam o sistema.
Não se trata
de militância política simplesmente, mas sim de um posicionamento ideológico
expresso de forma visualmente impactante que entre outras coisas desafia a
sacralidade conferida aos espaços museológicos. Funciona como uma provocação, um
impulso para despertar, sair do sono, acordar para a existência, perceber o que
está acontecendo no mundo ao nosso lado e conosco mesmo.
Traplev foto: Luiza Lorenz
A sociedade de consumo
se impôs de maneira tal pela comunicação de massa que deu a imagem uma força
atributiva maior que a palavra, fornecendo ao poder da publicidade suas
invencíveis e letais armas ofensivas.
Proposta - 'the imbecil' Foto: Rodrigo Sambaqui
A arte contemporânea é um dos únicos lugares
onde pode ser confrontada essa verdadeira lavagem cerebral que os meios de
comunicação vomitam o tempo todo. Mais que nunca a arte permanece como reduto
inexpugnável, onde o exercício da reflexão, do questionamento, da criatividade
e da liberdade pode ser exercitado.
A trava
conservadora das nossas arcaicas instituições políticas não tem a menor
possibilidade de entender o que está acontecendo no seio da sociedade ou na
periferia das grandes metrópoles. As contradições se exacerbam, a revolta
espraia-se por todos os lados sem que nada possa ser feito, pois nem sequer se
sabe em nome de que ética, de que princípios, de que moral esses protestos
existem e acontecem. Vivemos numa sociedade sitiada por suas próprias
contradições e impasses, urge pensar e repensar tudo, propor ações novas, novas
maneiras de atuar na sociedade, de conviver, de exercer a cidadania, de
participar da transformação inadiável. Mais que simples opção ético-estética é
uma questão de sobrevivência da própria espécie humana e das demais espécies
ainda vivas, da sobrevivência do próprio planeta. Evidentemente que é incomodo
abordar esses assuntos, toma-los como motivações da própria obra, isso incomoda,
causa desconforto, provoca movimentos em direção a mudanças, e isso é tudo que
o sistema não quer. O artista genuíno é aquele que aceita e encara os desafios do
seu tempo custe o que custar. E a arte contemporânea é o único espaço que
permite isso com seu exercício experimental da liberdade.
ARTE É
TRANSFORMAÇÃO!
Instalação -
Claudia Zimer Foto: Rodrigo Sambaqui
Juliana Crispe Foto:Janga
Instalação - Doraci Girrulat Foto: Rodrigo Sambaqui
Objeto textil - Berenice Gorini Foto: Rodrigo Sambaqui
Pintura - Rodrigo Cunha Foto: Rodrigo Sambaqui
Detalhe de instalção fotografica Foto: Luiza Lorenz
Objeto - Clara Fernandes Foto: Rodrigo Sambaqui
"Arcano Dez" - Luciana Knabe video: Luiza Lorenz