Buscando encontrar correspondências entre som, palavra, música e
seus correlatos gráfico-visuais, Arnaldo Antunes, através da reunião de
trabalhos seus provenientes de diferentes períodos, montou a mostra PALAVRAS EM
MOVIMENTO, exposta atualmente no Museu de Arte de Santa Catarina (até 2 de
julho). A exposição vista em seu conjunto funciona como se fosse um grande
espelho, cujos fragmentos refletem a relação de forças e o pensamento
dilacerado de nossa civilização.
A busca de estabelecer relações entre palavra, som, imagem, a
ênfase nos aspectos gráficos e fonéticos da escrita, bem como o papel de protagonista
principal atribuído a palavra-objeto, filiam a produção deste artista aos postulados
concretistas, cujos reflexos são perceptíveis também em suas criações no campo
das artes visuais.
O valor de linguagem visual da expressão gráfica da escrita
alfabética e sua expressividade
independente, tornam-na capaz de dar uma verdadeira dimensão espaço-temporal ao
pensamento humano traduzido em palavras.
PALAVRAS EM MOVIMENTO possibilita reflexões muito oportunas nesse momento crucial de impasses que nossa civilização enfrenta. Não se trata de uma proposta meramente formalista (crítica, aliás, descabida, que já se tornou usual ao se falar do concretismo paulistano). Marcas do homem deixadas em seus traçados, as letras, no fundo, são essencialmente sons.
Nada mais natural portanto, que o ponto de partida para a
mostra PALAVRAS EM MOVIMENTO, tenha sido as palavras, as
letras, seus sons e sentidos.
Criador versátil e complexo, misto de músico, compositor, poeta
e artista visual, Arnaldo Antunes, durante décadas, desenvolveu e aprofundou
pesquisas explorando os mais variados meios de expressão. A densidade, desdobramento
poético e rigor de construção das obras que criou em seu percurso até o período
atual, podem ser conferidos no conjunto de trabalhos que o MASC expõe.
Logo no inicio da individual, o visitante depara com uma porta
branca entreaberta fixada sobre uma base através de um eixo que permite o
movimento de abrir ou fechar.
Iniciando a sequência de obras expostas uma série de pequenas
colagens da década de 1980, mesclam fragmentos de textos e imagens,
intercalando elementos que vão se articulando em torno de coordenadas que
organizam o espaço de forma dinâmica.
Nas obras que vem a seguir, é a própria palavra e letra-signo
que se impõe como principal elemento plástico, com elas são exploradas as mais
infinitas variações, combinações e possibilidades formais.
Utilizando como suporte as mais diversas mídias, o artista criou relevos de parede que avançam
visualmente buscando a tridimensionalidade, mobiles constituídos por letras
penduradas, objetos e montagens que se instalam no espaço, ou grafismos
gestuais executados sobre papéis especiais, sempre obedecendo a uma lógica
formal rigorosa e consistente. Numa dessas montagens de formato circular, que
pode ser movimentado pelo espectador, letras e palavras construídas com formas
vazadas de metal giram numa lúdica e engenhosa moviola.
Outras obras,
estruturas em metal vasado, configuram objetos cujas superfícies, recortes e
suas projeções de luz e sombra, articulam jogos de palavras pelo deslocamento
de letras como é o caso de MIND
WIND.
Em
outro objeto com base de madeira, a sobreposição de placas transparentes com a
palavra “ANTE” em primeiro plano e “TRANSPIR”
inscrita no plano mais ao fundo provoca o movimento visual do texto que muda de
posição no espaço conforme o posicionamento do observador.
O movimento real ou virtual de letras, palavras e imagens,
presente em praticamente toda a mostra, ocorre igualmente nas projeções de sons
e imagens dos pequenos clips, ou nos efeitos visuais dos conjuntos de monitores
acoplados que justapõe fragmentos de cenas urbanas captadas nas andanças do
autor. Esses monitores, com suas imagens e textos que se sobrepõe de forma
dinâmica e evocativa, lembram os Cartemas de Aluísio
Magalhães que justapunha
módulos invertidos de cartões postais na busca de estruturar uma nova poética
visual.
A articulação espacial das PALAVRAS EM MOVIMENTO expostas no MASC, permite, através da decodificação que cada um faz das palavras, sons, e signos propostos, uma recepção sempre nova por parte do observador em seu trânsito pelo espaço expositivo.
A porta branca semi-aberta instalada logo na entrada da mostra propõe, ao visitante, possibilidades de ingressar
num mundo de percepções novas sobre o sentido das palavras, das imagens, dos
signos e do próprio som, faz refletir sobre um trecho da obra sonora ORÁCULO, que faz parte da instalação sonora onde fones de
ouvido reproduzem textos ou trilhas sonora do autor. Nesse trecho o poeta
pondera se não seria atualmente a arte o lugar daquilo que as desaparecidas
religiões e filosofias chamavam de ESPIRITUALIDADE.
Bela e oportuna reflexão, que induz a buscar respostas ou novas
interrogações, ao tentarmos juntar os cacos do grande espelho fragmentado que
reflete com precisão as perplexidades e impasses do pensamento dilacerado do
homem contemporâneo.
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