domingo, 4 de junho de 2017

O SOM E O SENTIDO DAS 'PALAVRAS EM MOVIMENTO' DE ARNALDO ANTUNES NO MASC




Buscando encontrar correspondências entre som, palavra, música e seus correlatos gráfico-visuais, Arnaldo Antunes, através da reunião de trabalhos seus provenientes de diferentes períodos, montou a mostra PALAVRAS EM MOVIMENTO, exposta atualmente no Museu de Arte de Santa Catarina (até 2 de julho). A exposição vista em seu conjunto funciona como se fosse um grande espelho, cujos fragmentos refletem a relação de forças e o pensamento dilacerado de nossa civilização.
A busca de estabelecer relações entre palavra, som, imagem, a ênfase nos aspectos gráficos e fonéticos da escrita, bem como o papel de protagonista principal atribuído a palavra-objeto,  filiam a produção deste artista aos postulados concretistas, cujos reflexos são perceptíveis também em suas criações no campo das artes visuais.
O valor de linguagem visual da expressão gráfica da escrita alfabética e sua expressividade independente, tornam-na capaz de dar uma verdadeira dimensão espaço-temporal ao pensamento humano traduzido em palavras.


PALAVRAS EM MOVIMENTO possibilita reflexões muito oportunas nesse momento crucial de impasses que nossa civilização enfrenta. Não se trata de uma proposta meramente formalista (crítica, aliás, descabida, que já se tornou usual ao se falar do concretismo paulistano). Marcas do homem deixadas em seus traçados, as letras, no fundo, são essencialmente sons.
Nada mais natural portanto, que o ponto de partida para a mostra PALAVRAS EM MOVIMENTO,  tenha sido as palavras, as  letras, seus sons e sentidos.
Criador versátil e complexo, misto de músico, compositor, poeta e artista visual, Arnaldo Antunes, durante décadas, desenvolveu e aprofundou pesquisas explorando os mais variados meios de expressão. A densidade, desdobramento poético e rigor de construção das obras que criou em seu percurso até o período atual, podem ser conferidos no conjunto de trabalhos que o MASC expõe.
Logo no inicio da individual, o visitante depara com uma porta branca entreaberta fixada sobre uma base através de um eixo que permite o movimento de abrir ou fechar.
 Iniciando a sequência de obras expostas uma série de pequenas colagens da década de 1980, mesclam fragmentos de textos e imagens, intercalando elementos que vão se articulando em torno de coordenadas que organizam  o espaço de forma dinâmica.
Nas obras que vem a seguir, é a própria palavra e letra-signo que se impõe como principal elemento plástico, com elas são exploradas as mais infinitas variações,  combinações e possibilidades formais.

Utilizando como suporte as mais diversas mídias, o  artista criou relevos de parede que avançam visualmente buscando a tridimensionalidade, mobiles constituídos por letras penduradas, objetos e montagens que se instalam no espaço, ou grafismos gestuais executados sobre papéis especiais, sempre obedecendo a uma lógica formal rigorosa e consistente. Numa dessas montagens de formato circular, que pode ser movimentado pelo espectador, letras e palavras construídas com formas vazadas de metal giram numa lúdica e engenhosa moviola.
Outras obras, estruturas em metal vasado, configuram objetos cujas superfícies, recortes e suas projeções de luz e sombra, articulam jogos de palavras pelo deslocamento de letras como é o caso de MIND WIND.

       Em outro objeto com base de madeira, a sobreposição de placas transparentes com a palavra “ANTE” em primeiro plano e “TRANSPIR” inscrita no plano mais ao fundo provoca  o movimento visual do texto que muda de posição no espaço conforme o posicionamento do observador.




O movimento real ou virtual de letras, palavras e imagens, presente em praticamente toda a mostra, ocorre igualmente nas projeções de sons e imagens dos pequenos clips, ou nos efeitos visuais dos conjuntos de monitores acoplados que justapõe fragmentos de cenas urbanas captadas nas andanças do autor. Esses monitores, com suas imagens e textos que se sobrepõe de forma dinâmica e evocativa, lembram os Cartemas de Aluísio Magalhães que justapunha módulos invertidos de cartões postais na busca de estruturar uma nova poética visual.


A articulação espacial das PALAVRAS EM MOVIMENTO expostas no MASC, permite, através da decodificação que cada um faz das palavras, sons, e signos propostos, uma recepção sempre nova por parte do observador em seu trânsito pelo espaço expositivo.
A porta branca semi-aberta instalada logo na entrada da mostra  propõe, ao visitante, possibilidades de ingressar num mundo de percepções novas sobre o sentido das palavras, das imagens, dos signos e do próprio som, faz refletir sobre um trecho da obra sonora ORÁCULO,  que faz parte  da instalação sonora onde fones de ouvido reproduzem textos ou trilhas sonora do autor. Nesse trecho o poeta pondera se não seria atualmente a arte o lugar daquilo que as desaparecidas religiões e filosofias chamavam de ESPIRITUALIDADE.
Bela e oportuna reflexão, que induz a buscar respostas ou novas interrogações, ao tentarmos juntar os cacos do grande espelho fragmentado que reflete com precisão as perplexidades e impasses do pensamento dilacerado do homem contemporâneo.





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