Cena 11 - foto: Cristiano Prim |
Após
a antológica ocupação do Máquina Orquestra, ninguém melhor que o grupo CENA 11
liderado por Alejandro Ahmed, para dar sequência ao projeto CLARABOIA do MASC.
A ativação dos sentidos, através da percepção dos
sons proposta pela vivência multisensorial realizada pelo Máquina Orquestra, no
caso do Cena 11, acontece e concretiza-se pela ação corporal proposta,
que de forma ininterrupta, busca reinventar nossa percepção do tempo-espaço.
A consciência do próprio corpo e sua posição no espaço, a
percepção como estratégia de conhecimento, a criação de um espaço
existencial, capaz de ser conquistado por cada um a partir da descoberta
e vivência de sua própria corporeidade, são algumas das
características que distinguem os conceitos operatórios do Cena 11 dos
demais grupos de dança.
Seus intérpretes não se limitam jamais a executar
simplesmente uma coreografia previamente ensaiada e repetida a cada
apresentação. Sua escrita do movimento privilegia a construção de
singularidades que acontecem na própria ação que fabrica a temporalidade,
e lhe da um corpo no aqui e agora sem antes nem depois.
A
ocupação-residência apresentada na Claraboia, foi pensada especialmente
para o espaço onde ocorrem as apresentações. A ação, que utiliza objetos
cênicos e sons característicos das montagens do grupo, propõe-se a
criar um ato poético único que pode ter um efeito perdurável se continuar vivo
na mente do espectador.
Buscando vivenciar situações a partir da percepção do
local onde vão ocorrer as performances, os integrantes do grupo, partindo do
princípio que sempre os norteia, de que o corpo jamais vai estar separado do
espaço onde está inserido, criaram uma proposta de OCUPAÇÃO\RESIDÊNCIA para a
CLARABOIA do MASC pautada pelas condições específicas do local.
As apresentações do CENA 11, costumam evitar os limites e
separações entre palco e plateia, para desta forma potencializar um espaço
indefinido que permita uma proximidade física, um estar junto, um
livre acesso ao processo que o grupo criou de investigar a
própria natureza da dança encarada como forma particular de conhecimento e
comportamento do corpo.
A apresentação inicia com a entrada dos bailarinos-performers, alguns com máscaras e pinturas corporais. Sentados em
assentos revestidos de negro colocados nos extremos da sala, permanecem por
vários minutos em silêncio, imóveis, concentrados e voltados cada qual para sua
própria interioridade, de onde desabrocharão na sequência as ações, gestos,
sons e gritos primais.
Performando por todo o espaço da CLARABOIA, misturam-se aos espectadores, envolvendo-os visceralmente no desenrolar das
ações com suas descargas impulsivas, que permitem exteriorizar e fazer
aflorar na consciência, pulsões e energias reprimidas no inconsciente.
Num outro ponto da sala, uma caixa negra recoberta por guizos
sugere um altar estranho e pulsante e serve de base para
hastes utilizadas na performance.
A ação do Cena 11 desenvolve-se a partir desse
espaço da CLARABOIA, que transforma-se em espaço existencial. Em
lugar da assepsia do cubo branco, que utiliza conceitos espaciais tradicionais
e redutores da potência da obra aberta, o que se propõe agora são novos
parâmetros como caminho e direção, lugar e centro, campo de ação, dentro e
fora.
A experiência sutil do corpo no espaço que o CENA 11 incorpora à suas performances num constante desafiar das leis da gravidade, convida o
espectador a converter-se em protagonista.
Suas propostas sempre buscaram o envolvimento da plateia,
fazendo com que a mesma não permitisse que o espaço a afetasse passivamente,
mas que interagisse tornando-se coautora das ações.
Na montagem da Claraboia, por tratar-se de um espaço diferenciado
não existe a separação palco-plateia tradicional dos teatros. Porém, o círculo
natural que os espetadores formam para assistirem a apresentação acaba
por recriar a mesma separação entre público e ação cênica.
Caminhando e desenvolvendo suas performances do centro da cena
para o meio do próprio espaço ocupado pelos espectadores, os bailarinos
eliminam os limites, aproximam-se e inserem-se na plateia, fazendo com que se
absorva e descubra o significado intrínseco das ações e acontecimentos
realizados, despertando em cada um
o impulso de experenciar o seu espaço interior e exterior,
caminhando por ele, tocando-o, ouvindo-o, sentindo-o e
percebendo-o em toda sua plenitude e potência.
Essa proposta da plateia como espaço cênico acompanha o grupo
desde as suas origens e estabelece uma proximidade, um estar junto que conecta
e transforma.
Para Alejandro, mentor intelectual do grupo, a percepção ocorre
não só no cérebro mas como um tipo de estratégia cognitiva que acontece no
corpo como um todo em sua interação com o ambiente, incluindo leis naturais de
sobrevivência.
ADESÃO AO NÃO ESQUECIMENTO tem a impactante trilha
sonora de Hedra Rockenbach. Logo em seu início, ouvem-se sons graves de percussão sugerindo tambores ou batidas do coração, esses sons mecânicos na sequência
da ação são intercalados a estrondos provocados pelo impacto dos corpos
que se arremessam sobre plataformas de madeira colocadas no chão. Essas
quedas características do CENA 11 com os corpos dos bailarinos desafiando
a lei da gravidade, lembram sempre que é através de nossa relação com
seus princípios que percebemos a natureza de nossa própria existência.
Na ocupação da claraboia,
estratégias, movimentos e ações que marcaram diferentes
espetáculos da trajetória do grupo são citados, mesclados a elementos novos que
surgem evocando a tradição das danças sagradas orientais tais como
fragmentos dos giros sufis, catarses corporais das incorporações dos
cultos afro, ou elementos indígenas que insinuam-se no caminhar cadenciado dos
bailarinos, marcado pelo ritmado balançar dos guizos anexados ao corpo.
A inquietação, questionamento, a experimentação tornam a obra
de Alejandro e do Cena 11 uma criação permanente, variação continua onde nunca
há um fim ou um ponto de chegada.
A ação-performance-ritual que
ocupa a Claraboia do MASC, pautada nos padrões técnicos e estéticos que
fizeram o grupo ser considerado como um dos mais relevantes da cena
contemporânea nacional, expressa o próprio sentimento de 'estar no mundo' do grupo, interagindo,
questionando, recomeçando e refazendo tudo a cada novo passo.
Alejandro Ahmed e o próprio Cena 11 que pode ser
considerado como uma extensão sua, encarna o próprio mito de Sísifo, que
na sua eterna ação de resistir e continuar, revela a fonte da
criatividade contida no indivíduo, sua atitude heroica demonstra que só através
da criatividade humana as coisas podem mudar.
Não é nada fácil e
cada um tem que encontrar a sua maneira de não desistir diante de tantas
dificuldades. O Cena 11, que foi sempre um grande viveiro de ideias,
através de experimentações centradas no corpo e no seu existir no espaço,
encontrou sua própria maneira de ser e de trilhar um caminho que tem
levado a descobertas antológicas, que ressignificam o espaço da dança
como continuação e fragmento da realidade, reinventando nossa
própria percepção de ESPAÇO-TEMPO.