sábado, 22 de julho de 2017

VIGÍLIA DO CORPO - as artes da presença do Cena 11 no espaço claraboia do masc

Cena 11 - foto: Cristiano Prim

Após a antológica ocupação do Máquina Orquestra, ninguém melhor que o grupo CENA 11 liderado por Alejandro Ahmed, para dar sequência ao projeto CLARABOIA do MASC.

A ativação dos sentidos,  através da percepção dos sons proposta pela vivência multisensorial realizada pelo Máquina Orquestra, no  caso do Cena 11,  acontece e concretiza-se pela ação corporal proposta,  que de forma ininterrupta, busca reinventar nossa percepção do tempo-espaço.

A consciência do próprio corpo e sua posição no espaço, a percepção como estratégia de conhecimento,  a criação de um espaço existencial,  capaz de ser conquistado por cada um a partir da descoberta e vivência  de sua própria corporeidade,  são algumas das características que  distinguem os conceitos operatórios do Cena 11 dos demais grupos de dança.

Seus intérpretes  não se limitam jamais a executar simplesmente uma coreografia  previamente ensaiada e repetida a cada apresentação.  Sua escrita do movimento privilegia a construção de singularidades que acontecem na própria ação que fabrica a temporalidade,  e lhe da um corpo no aqui e agora sem antes nem depois.

A  ocupação-residência  apresentada na Claraboia,  foi pensada especialmente para o espaço onde ocorrem as apresentações. A ação, que utiliza objetos cênicos   e sons característicos das montagens do grupo, propõe-se a criar um ato poético único que pode ter um efeito perdurável se continuar vivo na mente do espectador.

Buscando vivenciar situações a partir da percepção  do local onde vão ocorrer as performances, os integrantes do grupo, partindo do princípio que sempre os norteia, de que o corpo jamais vai estar separado do espaço onde está inserido, criaram uma proposta de OCUPAÇÃO\RESIDÊNCIA para a CLARABOIA do MASC  pautada pelas condições específicas do local.

As apresentações do CENA 11, costumam  evitar os limites e separações entre palco e plateia, para desta forma potencializar um espaço   indefinido que permita uma proximidade física, um estar junto, um livre acesso ao processo  que o grupo criou  de investigar a  própria natureza da dança encarada como forma particular de conhecimento e comportamento do corpo.

A apresentação inicia com a entrada dos  bailarinos-performers, alguns com máscaras   e pinturas corporais. Sentados em   assentos revestidos de negro colocados nos extremos da sala, permanecem por vários minutos em silêncio, imóveis, concentrados e voltados cada qual para sua própria interioridade, de onde desabrocharão na sequência as ações, gestos, sons e gritos primais.

Performando por todo  o espaço da CLARABOIA, misturam-se aos espectadores, envolvendo-os visceralmente no desenrolar das ações com suas descargas impulsivas,  que permitem exteriorizar e fazer aflorar na consciência, pulsões e energias reprimidas no inconsciente.  Num outro ponto da sala, uma  caixa negra recoberta  por guizos sugere um altar estranho e  pulsante e serve de base para hastes   utilizadas na performance.

A   ação do Cena 11 desenvolve-se a partir desse espaço da CLARABOIA,  que transforma-se em espaço existencial.  Em lugar da  assepsia do cubo branco, que utiliza conceitos espaciais tradicionais  e redutores da potência da obra aberta, o que se propõe agora são novos parâmetros como caminho e direção, lugar e centro, campo de ação, dentro e fora.

A experiência sutil do corpo no espaço que o CENA 11 incorpora à suas performances num constante desafiar das leis da gravidade,  convida o espectador  a converter-se  em protagonista.

Suas propostas sempre buscaram o envolvimento da plateia, fazendo com que a mesma não permitisse que o espaço a afetasse passivamente, mas que interagisse tornando-se coautora das ações.

Na montagem da Claraboia, por tratar-se de um espaço diferenciado não existe a separação palco-plateia tradicional dos teatros. Porém, o círculo natural  que os espetadores formam para assistirem a apresentação acaba por recriar  a mesma separação entre público e ação cênica.

Caminhando e desenvolvendo suas performances do centro da cena para o meio do próprio espaço ocupado pelos espectadores, os bailarinos eliminam os limites, aproximam-se e inserem-se na plateia, fazendo com que se absorva e descubra o significado intrínseco das ações e acontecimentos realizados, despertando em cada um  o impulso de experenciar   o seu espaço interior e exterior, caminhando  por ele, tocando-o, ouvindo-o,  sentindo-o  e percebendo-o em toda sua plenitude e potência.

Essa proposta da plateia como espaço  cênico acompanha o grupo desde as suas origens e estabelece uma proximidade, um estar junto que conecta e transforma.

Para Alejandro, mentor intelectual do grupo, a percepção ocorre não só no cérebro mas como um tipo de estratégia cognitiva que acontece no corpo como um todo em sua interação com o ambiente, incluindo leis naturais de sobrevivência.

ADESÃO AO NÃO ESQUECIMENTO  tem a  impactante trilha sonora de Hedra Rockenbach. Logo em seu início, ouvem-se sons graves de percussão sugerindo tambores ou batidas do coração, esses sons mecânicos na sequência da ação são intercalados a estrondos provocados  pelo impacto dos corpos que se arremessam sobre plataformas de madeira colocadas no chão. Essas  quedas características do CENA 11 com os corpos dos bailarinos  desafiando a lei da  gravidade, lembram sempre que é através de nossa relação com seus princípios que percebemos a natureza de nossa  própria existência.

Na ocupação da claraboia,   estratégias, movimentos e ações que marcaram  diferentes espetáculos da trajetória do grupo são citados, mesclados a elementos novos que surgem  evocando a tradição das danças sagradas orientais tais como fragmentos dos giros sufis, catarses  corporais das incorporações dos cultos afro, ou elementos indígenas que insinuam-se no caminhar cadenciado dos bailarinos,  marcado pelo ritmado balançar dos guizos anexados ao corpo.

A inquietação, questionamento, a experimentação tornam a obra de Alejandro e do Cena 11 uma criação permanente, variação continua onde nunca há um fim ou um ponto de chegada.

A ação-performance-ritual que ocupa  a Claraboia do MASC, pautada nos padrões técnicos e estéticos que fizeram o grupo  ser considerado como um dos mais relevantes da cena contemporânea  nacional,  expressa o próprio sentimento  de 'estar no mundo' do grupo, interagindo, questionando, recomeçando e refazendo tudo a cada novo passo.

Alejandro Ahmed  e o próprio Cena 11 que pode ser considerado como uma extensão sua, encarna o próprio mito de Sísifo,  que na sua  eterna ação de resistir e continuar, revela a fonte da criatividade contida no indivíduo, sua atitude heroica demonstra que só através da criatividade humana  as coisas podem mudar. 

Não é nada fácil  e cada um tem que encontrar a sua maneira de não desistir diante de tantas dificuldades. O Cena 11, que foi sempre um grande viveiro de ideias,  através de experimentações centradas no corpo e no seu existir no espaço, encontrou sua  própria maneira de ser e de trilhar um caminho que tem levado a descobertas antológicas, que ressignificam o espaço da dança como  continuação e fragmento da realidade, reinventando nossa  própria percepção de ESPAÇO-TEMPO.





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