sábado, 18 de novembro de 2017

SENSOS E SENTIDOS, no Masc - Uma Enriquecedora Viagem pela História da Arte.



Antecipando a comemoração dos seus setenta anos de existência que ocorrerá em março de 2018, o MASC presenteia o público catarinense com a mostra Sensos e  Sentidos,  que reúne  parte da coleção do casal Jeanine e Marcelo Collaço.  O conjunto das cento e vinte obras selecionadas propicia uma significativa viagem por diferentes períodos da história da arte, e tem  como tema central a figura humana interpretada  dentro de diferentes contextos históricos.
Através de uma montagem inteligente, a curadoria definiu um espaço expositivo funcional, criativo e   de extrema sensibilidade,  permitindo que  na harmônica  elegância do conjunto, as obras respirem sem interferir  umas com   as outras, ao mesmo tempo que dialogam entre si .  Alguns eixos e coordenadas    criados no mapa estrutural da montagem a partir do posicionamento das obras tridimensionais , estabelecem espacialidades  dinâmicas, poéticas e sugestivas que fazem o olhar oscilar de uma forma para outra,  propondo reflexões, destacando similaridades ou confrontos. 

Autor: Eliseu Visconti 
Com ênfase na produção artística do século XIX,  e portanto nas    figuras representadas segundo  os cânones das academias de belas artes que pontificavam na época, a mostra inclui também representações de outros períodos que vão desde um magnífico retábulo gótico  de madeira com relevos representando cenas do novo testamento, até alguns exemplares do modernismo  e do pós-moderno representado por obras de Lindote, Paulo Gaiad, Rubens Oestroem e Schwanke.
Essa preciosa coleção que possui varias peças que poderiam figurar no acervo de qualquer museu de arte do mundo, começou a ser formada ainda na juventude do renomado médico Marcelo Collaço.
Frequentador do atelier de Martinho de Haro   enquanto ainda era estudante, tornou-se seu amigo assim como de seus filhos Martim Afonso e Rodrigo. Em certa ocasião, Marcelo   foi presenteado com uma obra do mestre, adquiriu outras e acabou tomando  o gosto do colecionismo.  Com um feeling natural para descobrir obras relevantes, foi cada vez  educando  e aprofundado  mais o olhar,  já por natureza sensível, inteligente e perspicaz.  Assim, o que de início era o exercício do simples prazer de adquirir e conviver com as obras, foi aos poucos transformando-se pelo acerto das aquisições  numa da mais importantes coleções de arte do Estado.
Frequentador assíduo de galerias, ateliers e museus,  Marcelo ficou amigo de vários artistas, marchands, leiloeiros e colecionadores de todo o país.
Sempre atento,  garimpando obras representativas que estivessem disponíveis no mercado, com paixão,  dedicação e zelo,  formatou a coleção da qual fazem parte as obras que o MASC está expondo até março do próximo ano.
Esse recorte obviamente não se pretende completo, mas obras significativas de diversos períodos estão expostas,  propiciando uma rara oportunidade  aqui em Santa Catarina para  que estudantes, artistas e público em geral possam,  através de um contato direto com as obras originais da coleção,  pesquisá-las, apreciá-las e estudá-las com atenção.

A viagem começa pelo gótico, presente com um magnífico retábulo de altar esculpido em madeira com cenas do novo  testamento. O renascimento italiano está representado neste conjunto  por uma pintura da ‘Virgem com o Menino e Santos’, de Giiovani di Pietro, da escola de Perugino. Restaurada recentemente.  A apreciação dessa obra merece por si só várias visitas ao MASC.



A arte e consequentemente as  representações da figura humana no período medieval estavam  atreladas a igreja católica que impunha seus códigos e as suas regras de representação sacra.
Com a redescoberta da antiguidade clássica no renascimento,  a figura humana passou a ser representada  com mais liberdade e o nú ressurge nas cenas mitológicas até obter  autonomia da representação, tornando-se um dos temas mais importantes de praticamente todos os períodos  da história da arte que se sucederam.
No barroco,  a política da contra reforma  convoca novamente os artistas para preencherem   os espaços dos templos e oratórios com figuras de santos e cenas  religiosas.                    Diversas  esculturas desse período  executadas em madeira ou terracota  podem ser vistas na coleção. Destacam-se dentre as belíssimas  obras um São Gabriel, uma Nossa Senhora de madeira, e um São Roque missioneiro. Esse conjunto, exposto de maneira a formar  os vértices de um triângulo  virtual, pela iluminação e posicionamento das peças, cria um dos efeitos mais  belos de toda  a requintada montagem do Sensos e Sentidos:


 Outro grupo que impressiona pela maneira como foi exposto,  é o conjunto formado por uma série de pinturas sacras de diversos períodos, ladeando o espaço central  que tem num lado um esplêndido crucifixo  português de madeira, prata e marfim e de outro um oratório recoberto de pinturas barrocas. Posicionados frente a frente, criam uma tensão visual  na linha que se estabelece entre um e outro dos pontos focais. Interceptada por outra linha virtual, sinalizada em sua  extremidade por uma bela  escultura de Nossa Senhora,  essa  impactante montagem das peças sacras,  sugere,  no cruzamento  de seus eixos,  o transepto da arquitetura religiosa,  direcionando  o olhar para o ponto principal da cena que é  Crucificado.



Distribuídas  nestes e em alguns outros locais da mostra, essas imagens barrocas com seu pathos  e êxtases místicos, fazem  um contraponto com a laicidade das representações artísticas dos outros períodos. São igualmente notáveis  duas pinturas sobre cobre de pequeno formato representando Santa Luzia e o Êxtase de Santa Tereza, um batismo de Cristo do Séc. XVI de Toussaint Dubreuil, um óleo sobre madeira de Bartolomeo Passerotti  Séc. XV e uma entrada em Jerusalém  da escola flamenga do Séc. XVI.



Outra obra sacra que se destaca, é um glorioso São Sebastião espanhol do século XVII, esculpido em madeira  policromada. 






Colocada  logo na entrada da mostra, a direita de quem entra,  essa escultura pontifica no espaço, expondo em sua silenciosa grandeza  a beleza e a dignidade do corpo humano desnudo, tão  cultuada na antiguidade clássica, redescoberta pelo humanismo renascentista e no momento, em nosso país, vilipendiada por representantes de um retrocesso histórico que pretende impor a arte um retorno a censura inquisitorial das trevas medievais.

As representações acadêmicas da figura humana que predominaram no país após a chegada da missão francesa trazida por D.João VI,   integram o maior conjunto da exposição que inclui obras de Henrique Bernardelli, Oscar Pereira da Silva, Rodolfo Amoedo, Pedro Weingärtner, Pedro Américo, Belmiro de Almeida, Aurélio Figueiredo, Almeida Júnior, e outros.
Algumas  pinturas,  como a  ‘Menina Pintora’, de Pedro Américo, e o nú masculino de Eliseu Visconti destacam-se no conjunto de obras que reúne retratos, cenas de gênero e estudos.
A série de desenhos de Victor Meirelles, com estudos de trajes italianos, é um dos pontos altos da mostra.  O  impressionante virtuosismo dessas aquarelas comprova  que, sem dúvida,  esse artista catarinense foi o melhor desenhista nacional no século dezenove.

Conjunto de aquarelas de Victor Meirelles
Um retrato de Eliseu Visconti de sua esposa Louise, com sua luz e pinceladas impressionistas, mostra como Visconti soube compreender a essência desse movimento inaugural do modernismo.

Muito  interessante também a figura feminina de autoria do artista negro Rafael Frederico.
Várias pinturas de artistas europeus  abordando a figura humana como tema estão incluídas na  exposição. É o caso das duas obras de Othon Friesz, professor do nosso maior modernista Martinho de Haro. De Friesz estão expostas uma surpreendente Joana D´Arc e um pequena tela tendo como tema ‘A Trapezista’. 



Martinho, cujas obras constituem um dos núcleos centrais da coleção de Marcelo, participa com vários trabalhos, como o ‘Baile Rural’ e  o ‘Tomador de Chimarrão’, de sua fase de São Joaquim, ‘Mulher Sentada’,  de seu período de formação, uma cabeça de jovem, pintura de mulata com a qual obteve um prêmio na academia, e um nú feminino reclinado,  forte e expressivo que pode sem favor incluir-se entre os melhores nús produzidos pelo modernismo  brasileiro. São interessantes como documento um  estudo de modelo masculino sobre papel  feito na academia por Martinho, colocado ao lado de uma sanguínea  de Eliseu Visconti com o mesmo motivo.


Com a técnica da sanguínea há  também um auto-retrato de Ismael Neri. Uma série de desenhos de Rodrigo de Haro  em branco e preto de sua fase influenciada por Beardesley  expostos ao lado de duas pinturas de grande formato que evocam a síntese da gravura japonesa.
Dão sequência as obras expostas  a tela  de Aurélio Figueiredo ‘Dama na Rede’,’ Tropeiros’, de Malinverni,  uma triunfal ‘Entrada de Constantino em Roma’, litografia de Gerard Audran a partir Charles le Brun, o  nú masculino de Eliseu Visconti,  que serviu de capa para o convite da mostra, além de muitas outras obras, todas merecedoras de atenção e interesse.  O  ideal é que se faça mais que uma visita ao museu,  pois cada trabalho solicita uma atenção especial para poder ser fruído em toda a sua totalidade.

Autor: Elke Hering
A escultura modernista está representada pelos dois parceiros de Niemeyer, Bruno Giorgi e Ceschiatti.  De Bruno de Giorgi há um delicioso fauno em bronze e de Ceschiatti, uma figura feminina reclinada, que funciona como um dos referenciais do espaço expositivo. Há também duas esculturas em bronze da artista gaúcha Sonia Ebling. Elke Hering  está representada por um belíssimo  bronze com influência de Henry Moore, além de outra escultura em metal e duas peças  em cristal.

Bruno Giorgi

Num exemplo de consciência cultural o casal Marcelo e Jeanine Collaço com magnanimidade, além  da realização da mostra SENSOS E SENTIDOS   que possibilita  ao público acesso a seu precioso acervo,  doou ao Masc uma importante obra de Eduardo Dias, o nosso douanier Rousseau , que faz a ponte entre a obra de Victor Meirelles e de  Martinho de Haro.
Belo exemplo de cidadania que Oxalá seja  seguido por outros colecionadores.
A Cultura Catarinense agradece.

Marcelo e Jeanine Collaço


* Fotos das obras de arte da matéria são de autoria de  Rodrigo Sambaqui.









sexta-feira, 3 de novembro de 2017

ANASTÁCIA – ' IMPERATRIZ ANTROPÓFAGA': Mais uma Obra Antológica de Fernando Lindote


A imperdível mostra Sensos e Sentidos, que reúne parte da coleção do casal Jeanine e Marcelo Collaço, exposta até março de 2018 no MASC (comentarei no próximo blog), teria como um dos destaques a pintura Rainha Antropófaga,  de autoria de Fernando Lindote. 
Essa obra, contemplada com o disputado prêmio Marcantonio Villaça, encontra-se atualmente exposta em Brasília. Adquirida anteriormente pelo colecionador catarinense Marcelo Collaço, a obra acabou não voltando para Santa Catarina por insistentes pedidoS do crítico Paulo Herkenhoff que considerou imprescindível sua presença na itinerante que ocorre em Brasília. 
Se por um lado é uma pena que o público catarinense não possa apreciá-la de imediato, por outro lado é motivo de orgulho para todos nós o fato de que a representatividade e importância dessa pintura seja nacionalmente reconhecida. Não faltará oportunidade para que num futuro próximo, assim que encerrar-se a itinerância, possamos conhecê-la e admirá-la pessoalmente.
Há algum tempo, Lindote vem fazendo uma reflexão sobre o significado de alguns ícones representativos da identidade nacional, personagens como Zé Carioca, Macunaíma, monumentos arquitetônicos como a Praça dos três Poderes de Brasília, nossas exuberantes florestas com sua exótica flora tropical, imagens de cartão-postal como o Corcovado, o Pão de Açúcar, etc.
Agora, dando sequência a essas indagações sobre ícones da nossa identidade, forjados, fabricados artificialmente ou naturalmente surgidos através dos tempos, Lindote recorre à figura mítica da escrava Anastácia, um personagem recoberto pelo mistério das lendas e mitos que se criaram em torno de sua lendária figura. 
Pouco importa se as informações que chegaram até os dias atuais são historicamente verdadeiras ou não, até porque a história não costuma registrar a existência dos vencidos e oprimidos, preferindo enaltecer a memória dos “heróis” da classe dominante, vitoriosos donos do poder que sempre deram as cartas, mesmo sendo na maior parte das vezes apenas tiranos cruéis corruptos e desumanos. Anastácia é um dos exemplos de resistência contra a os horrores dos abusos, crueldades e desumanidade com que são tratados os seres e povos oprimidos por sistemas como esse em que vivemos. É justamente pelo que ela representa em relação a tanta opressão que sua memória se mantem cada vez mais inspiradora e viva.
As elites do país se sentem incomodadas ao abordar questões relativas à escravidão, e esquecem com facilidade as abominações do sórdido sistema escravagista que durante três séculos existiu no Brasil, cuja riqueza esse povo vilipendiado e injustiçado ajudou a construir, mesmo tendo sido sempre totalmente impedido de desfrutar de seus benefícios o  que de maneira geral continua ocorrendo  até hoje.
Para milhões de criaturas excluídas, a figura de Anastácia representa os sofrimentos e a luta do povo negro que continua resistindo às mais diversas formas de discriminações físicas e psicológicas.
A máscara de flandres que carrega na boca e a algema de ferro grudada no pescoço, representam bem a brutalidade bestial dos algozes que fizeram de sua vida um martírio.
Com seu olhar firme, penetrante, ANASTÁCIA demonstra que mesmo em seu martírio não se deixou vencer pelas perturbações e crueldades do mundo. O seu semblante seguro reflete a força e o vigor de sua superioridade interior, proveniente de um coração amoroso impermeável à maldade a qual foi submetida. Anastácia representa o sonho divino de uma existência humana mais digna na terra e é nesse sentido que é venerada como verdadeira santa pelo povo que vê nela uma força capaz de fazer curas, milagres, graças, tais são as vibrações desse poder que seu semblante transmite. Poder oriundo da bondade, da integridade, da fé e da certeza que seu povo um dia conquistará o direito de crescer junto com esse país, usufruindo plenamente de tudo de bom que ajudou a construir.
Gloriosa em seu manto protetor, Anastácia vivenciou o universo da dor, dos pesadelos, crueldades e perturbações alheias. Tentaram fazer dela uma escrava humilhada e vencida, mas não conseguiram derrotá-la. Ela, em sua grandeza íntegra e heroica em momento algum comportou-se como tal. Eternizada no coração do povo, digna, altiva e majestosa, Anastácia, com requintado buque de orquídeas sobre a cabeça, ressurge na tela de Lindote, luminosa e coroada como a legítima IMPERATRIZ DO BRASIL.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

CANTO DA TERRA - A EXPRESSÃO DA ALMA DE UM POVO E O PAPEL DA CASA AÇORIANA NO PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DAS NOSSAS MAIS GENUÍNAS EXPRESSÕES ARTÍSTICAS

Vista geral da mostra "Canto da Terra"

A cultura popular da grande Florianópolis reúne hoje o mais expressivo conjunto de artistas naïfs da região sul do país. Intuitivos, sensíveis e criativos, esses artistas refletem em suas obras a riqueza da mescla das mais diferentes matrizes e etnias,  que contribuíram para formar a população litorânea do nosso Estado.
Criando suas linguagens a partir da percepção do espaço onde vivem, revelam-nos suas visões de mundo com autenticidade, poesia e forte sentimento telúrico. Praticando uma arte muito próxima das genuínas fontes da criatividade e da vida, obtiveram reconhecimento nacional devido a uma série de fatores, dentre os quais se destaca o papel fundamental que o Centro Cultural Artes e Tramoias Ilhoas de Sto. Antônio de Lisboa, exerceu a partir de sua criação em junho de 1985.
Neste espaço cultural, criado de início especialmente para esse tipo de manifestação artística, esses artistas tiveram a orientação, estímulo e apoio para desabrocharem seu talento e para  terem a importância de seu trabalho reconhecida.
O incentivo às manifestações culturais de matrizes populares norteou o trabalho da Casa desde seu início, pois foi justamente a partir de um movimento de cultura popular que ela surgiu.
A ideia era não discriminar a arte popular, colocando-a num gueto, mas sim colocá-la no mesmo patamar da arte considerada ‘erudita’. Quando a qualidade artística se faz presente, essas fronteiras se diluem e desaparecem. Assim, a Casa Açoriana foi o primeiro espaço cultural em Santa Catarina a colocar lado a lado obras provenientes do universo da cultura popular e obras dos mais relevantes artistas plásticos catarinenses.

                                  
  Peça de cerâmica de Adelina Medeiros, em homenagem a Casa Açoriana.
Dona Adelina Medeiros, por exemplo, uma das mais representativas figureiras, chegava a chorar inconformada com a desvalorização do trabalho ao qual dedicava toda a sua existência. Certa ocasião, ela me confessou: “- Janga, é tão triste a gente criar com tanta dedicação e amor e as pessoas nem saberem nosso nome, pois só se fala dos artistas das telas e nós somos simplesmente ignorados.”Lembro-me que na inexistência de locais apropriados para expor sua produção, nossos figureiros tradicionais só tinham como opção vender por centavos suas peças, que eram expostas no mercado,  praticamente jogadas no chão ao lado de panelas, peças de gesso etc.
Na ocasião, eu prometi que a Casa Açoriana iria fazer de tudo para reverter essa situação, expondo as peças de forma condigna com curadoria, boa iluminação e ambientação apropriada para realçar as qualidades artísticas das peças, valorizá-las através de textos críticos, divulgação na mídia exposições, etc.
A situação denunciada por Adelina era a mesma enfrentada por praticamente todos os nossos grandes artistas populares.
Provenientes em sua maioria de classes sociais menos favorecidas, eles não tinham voz, sem acesso a mídia e aos espaços culturais, sendo praticamente colocados à margem do circuito artístico cultural da cidade.

Ademar Melo - Lanterna do Divino
Ademar Melo já nem expunha mais, desanimado com a precariedade das condições existentes. Com o surgimento da Casa Açoriana, voltou a criar e permaneceu na ativa até os noventa anos, quando faleceu.
Antônio Machado, nosso maior escultor em madeira, antes da Casa Açoriana existir vendia suas obras na garupa da bicicleta de seu filho Toninho, que aos sábados ia de casa em casa em Cacupé, mostrando as peças acondicionadas em caixas de sapato.

Antônio Machado - Vaca sendo ordenhada
Destaque dentre os artistas que expunham na Casa Açoriana, sua obra a partir dai, atravessou fronteiras chegando a ser exposta no Museu de Arte de Brasília ao lado de Antônio Poteiro, GTO e outros expoentes da cultura popular nacional. Hoje, suas obras integram coleções de várias partes do país e do exterior. A Casa Açoriana, durante anos, adquiriu toda sua produção, proporcionando-lhe uma velhice mais digna, uma vez que tinha garantida mensalmente uma complementação de sua modesta aposentadoria.

Antônio Machado - Cavalo

Todos esses artistas sem exceção, afirmaram sempre que se não fosse a Casa Açoriana teriam parado de produzir há muito tempo.
Com esforços e sacrifícios e mantendo-se a duras penas, esse espaço cultural movido a paixão e idealismo acabou sendo reconhecido nacionalmente conforme atestam as centenas de matérias da mídia e os depoimentos de visitantes. Pela relevância cultural e alcance da sua proposta, a Casa Açoriana foi incluída entre os quinhentos mais importantes pontos de turismo cultural do país, pela revista VEJA. Esse reconhecimento da importância da Casa Açoriana como vitrine do melhor da produção artesanal de referencia cultural, fez com que fosse o único espaço catarinense citado por SIG BERGAMIN em seu livro ADORO O BRASIL, onde ele faz um  levantamento do que há de mais requintado e autêntico no artesanato nacional. 
Com muito trabalho e dedicação de toda uma equipe abnegada, a Casa Açoriana conseguiu  muita coisa no sentido de valorizar a produção de nossos artistas mais genuínos. Hoje, trabalhamos com mais de oitenta fornecedores entre artesãos e artistas das mais variadas técnicas e segmentos.
Dona Adelina Medeiros tornou-se bem conhecida e integra o mais importante livro publicado sobre arte popular nacional, o “EM NOME DO AUTOR”, editado por pesquisadores da UNICAMP que, através do nosso espaço, tiveram acesso a produção de nossos artistas populares possuidores de uma assinatura própria em seu trabalho.
Pela primeira vez, a arte popular catarinense foi incluída numa publicação de abrangência nacional hoje referência básica sobre o tema.
Além de ADELINA MEDEIROS, foram também incluídos nesta importante publicação: ADEMAR MELO, ANTÔNIO MACHADO, MARIA CELESTE NEVES, JOÃO OLÍBIO, VALDIR AGOSTINHO, ETELVINA ROSA, CLAUDIO ANDRADE, também lançado pela Casa.  
                 

Dona Adelina inclusive, quando aconteceu o encontro dos presidentes do MERCOSUL, teve, segundo ela, um dos momentos mais gratificantes de sua carreira: Ao ter suas peças expostas na sala reservada ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem presenteou com uma peça de sua autoria, enquanto participava do um almoço que o ITAMARATI ofereceu aos presidentes para o qual foram também convidados os artistas cujas obras a Casa Açoriana emprestou ao ITAMARATI, para serem expostas nos salas do Resort Costão do Santinho, onde foi realizado o histórico evento.João Olíbio, o mais ecológico dos nossos artistas, sempre teve lugar de destaque na galeria da Casa Açoriana. Numa certa ocasião, procurou-nos querendo desistir, pois as vendas estavam difíceis. Sugerimos que além das colagens bidimensionais, fizesse com o mesmo material objetos utilitários como luminárias. Ele seguiu nossa sugestão e o resultado foi uma fase extremamente bem sucedida tanto artística como financeiramente. João vendeu praticamente toda sua produção de luminárias.

João Olíbio - Ponte Hercílio Luz

Outro artista que a Casa Açoriana lançou e acompanhou em praticamente toda a sua carreira é Neri Andrade. Lembro-me que, na época da criação da Casa, as galerias de arte do centro da cidade não viam com bons olhos a arte Naïf. Com o trabalho desenvolvido pela Casa Açoriana, as obras de Neri passaram a ser valorizados.  Por nosso intermédio, passou a expor na galeria de arte do Copacabana Palace do Rio, antes de o mesmo ser vendido aos novos proprietários.
Neri hoje é um artista com um mercado consolidado, sendo dos artistas catarinenses mais conceituados e procurado por colecionadores. Uma obra sua foi adquirida pela comitiva de Mota Amaral, em visita a Casa Açoriana, enquanto ainda era Presidente da região autônoma dos Açores. Essa obra faz parte do acervo do museu de arte da ILHA TERCEIRA.


Neri Andrade - Costa da Lagoa
Em 1995 a Casa Açoriana realizou a primeira mostra de arte catarinense no exterior. No “Palais de Glace” no bairro da Ricoleta, em Buenos Aires, organizamos uma coletiva a convite de um jornalista argentino. Essa exposição realizou-se no mesmo espaço onde acontece o Salão Nacional da Argentina. Neri foi um dos destaques dessa mostra chamada “A Ilha em Buenos Aires”, que foi um sucesso de público e crítica com artigos no El Clarin, outdoors espalhados pela capital portenha e eventos paralelos que incluíam músicos e escritores da ilha.

Essa mostra foi muito elogiada pelo embaixador do Brasil em Buenos Aires, que recebeu os artistas para um almoço na sede da Embaixada Brasileira.
Maria Celeste Neves, com seus inesquecíveis bordados retratando toda nossa cultura popular, é outra artista que, revelada pela Casa Açoriana, alcançou destaque nacional, assim como TERCILIA DOS SANTOS, artista nascida na região oeste do Estado e que a Casa Açoriana lançou organizando sua primeira individual e expondo suas obras que hoje integram coleções em vários países. Quando conhecemos Tercilia, ela estava expondo num restaurante. Praticamente desconhecida do público, ganhava a vida como manicure.

Tercília dos Santos - acrílico sobre tela

Com o tempo, Tercilia foi ficando conhecida.  Suas pinturas mereceram varias páginas no livro sobre arte Naïf brasileira editado pela Jaques Ardie, de SÃO PAULO.
Em 2014, a Casa Açoriana promoveu uma grande individual intitulada ‘PRIMAVERA DE TERCILIA’ que obteve grande divulgação na mídia, sendo capa dos dois principais cadernos de variedades do Estado. Foi também a Casa Açoriana que indicou Tercilia para ser o tema de uma coleção primavera/verão de uma conhecida grife catarinense de moda.
Recentemente, Tercília foi uma das artistas que participou da série de documentários ALMA BRASILEIRA, dedicado aos mais destacados artistas populares do país, que o CANAL ARTE 1 tem levado ao ar nas noites de domingo para todo o Brasil. Um capítulo inteiro da série foi dedicado a sua obra.
Assim como Neri Andrade, ela também foi premiada numa das edições da Bienal Nacional de Arte Naïf promovida pelo SESC SP em Piracicaba.
A última versão dessa bienal, ocorrida em 2016, teve tamanha repercussão que foi reeditada de março a julho no SESC BELENZINHO, da capital paulista. Essa Bienal de 2016, que entre mil e quatrocentas obras inscritas selecionou cem trabalhos, incluiu uma pintura de Saulo Falcão, outro artista revelado pela Casa, que expôs lado a lado de nomes como FLÁVIO DE CARVALHO, GUIGNARD, CICERO DIAS, VOLPI e vários outros artistas que fazem parte da história da arte nacional.


Saulo Falcão - Gado no Pasto na Neve
Saulo é natural de Sto. Antônio, diagnosticado como esquizofrênico na adolescência, já foi internado dezenas de vezes, mas a Casa Açoriana acreditou no seu talento e estimulou-o. O resultado aí está para ser conferido, através da sua obra.  Ele também participa dessa mostra CANTO DA TERRA, com a obra ‘Gado no pasto na Neve’ que foi selecionada e exposta na Bienal Naïf.
Além das artes plásticas, da escultura, gravura e cerâmica, a Casa estimula e apoia praticamente todas as tradições artesanais de referência cultural. É o caso, por exemplo, da tecelagem tradicional. Três famílias de Gravatal contam, há décadas, com nossas compras mensais, que lhe garantem a continuidade da tradição herdada dos avós.

Maria das Rendas - Carro de Boi
As rendas também foram sempre prestigiadas pela Casa Açoriana que, em 2015, revelou, através de uma individual, o original trabalho autoral de Maria das Rendas, outra de nossas artistas que faz parte da mostra CANTO DA TERRA.
Quando a Fundação Franklin Cascaes, através de sua superintendente, convidou-nos para organizarmos uma mostra que assinalasse a passagem do dia que celebra o saber popular, e para inaugurar sua nova galeria de arte, no vão central do mercado, vislumbramos uma excelente oportunidade para mostrar ao público o alto nível que uma produção artística pode alcançar, quando lhe é dada condições para desabrocharem o talento e a capacidade criativa de cada um.
O trabalho que a Casa Açoriana tem desenvolvido nestas últimas três décadas, cujo resultado de forma resumida evidencia-se no alto nível alcançado pelas obras que formam essa mostra histórica, é uma clara demonstração de quanto o apoio é fundamental para o artista desenvolver plenamente as suas potencialidades.
Dividimos a curadoria da exposição com Lena Peixer, que além de excelente artista tem demonstrado uma competência inquestionável na gestão de espaços culturais.
A mostra CANTO DA TERRA, que permanecerá aberta a visitação até o final de setembro, tem também a participação da ceramista Osmarina, com uma deslumbrante montagem da procissão de Passos.  De Valdir Agostinho, que participa com uma criativa e surpreendente instalação, de Manoel Pereira escultor em madeira que estamos lançando e que vem preencher a lacuna deixada pelo falecimento do nosso outro grande escultor popular, Antônio Machado. Manoel esculpe personagens populares, carros de boi, duplas sertanejas, cavaleiros, com um senso escultórico impressionante, é mais um artista do qual ainda ouviremos muito falar.

Manuel Pereira - Carro de boi com família
Além deles, Nei Batista de Souza é outro artista participante. Nei é o mais requintado e criativo artesão na técnica do papel machê. Seus trabalhos já mereceram mostra individual no MASC. Ele foi um dos fundadores do “Mão de Pilão”, grupo folclórico que nos anos oitenta fez renascer a tradição do boi de mamão na região de Sto. Antônio de Lisboa.
Do “Mão de Pilão” surgiram o premiadíssimo Boi de Mamão de Sambaqui e a própria Casa Açoriana que deu sequência aos objetivos do grupo de valorizar nossas raízes culturais.
Os artistas populares são, por sua natureza, avessos ao discurso, cantam cada um a sua maneira sua terra natal, suas tradições, suas crendices, seus hábitos e costumes. Celebram sempre a integração com a natureza e o meio ambiente. Através de suas obras, podemos perceber a alma de um povo. Cenas, personagens ou narrativas inseridos numa natureza idílica nos propõe uma reflexão sobre a necessidade de criarmos novas maneiras de nos relacionar com a natureza, sem destruir o ecossistema que alimenta a vida no planeta.
Presente na abertura da mostra, o secretário municipal de Cultura sensibilizou-se com nossa proposta de criação de um Museu de Cultura Popular na capital do estado  que pudesse  reunir todo esse precioso acervo.
Torçamos para que esse sonho se realize, pois é fundamental para a identidade de um povo a existência de espaços onde sua alma se revele e a reflexão sobre de onde viemos e quem somos aconteça.

Ney Batista de Souza - avestruz

Ney Batista de Souza - Boi de mamão

Valdir Agostinho - Cavalo 
Valdir Agostinho - Cavalo 


Valdir Agostinho - Cavalo 

Osmarina - Procissão dos Passos

Osmarina - Procissão dos Passos

Ney Batista de Souza - Cavalo

Artistas, organizadores e autoridades

Maria Celeste - Estandarte em homenagem a Casa Açoriana

Etelvina Rosa - Obra reproduzida no Livro "Em nome do AUTOR"