quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A obra que deveria estar na entrada da cidade

     

     Qualquer pessoa com o mínimo de bom senso estético e informação, concluirá facilmente, ao comparar as fotos da proposta vencedora de Doraci Girrulat, em concurso para escolher a criação de um marco em homenagem a etnia açoriana,  com o que foi colocado em seu lugar, em revelia da decisão do corpo de jurados, concluirá que foi uma lamentável decisão sem justificativa. O motivo alegado de que a verba disponível para a execução do projeto não comportava uma obra do porte da proposta de Doraci, poderia ser contornado, conseguindo-se o apoio do empresariado catarinense. 
     Afinal, Santa Catarina quer ou não quer mostrar o que de melhor se produz aqui? Ou vamos nos acomodar com as eternas desculpas de não haver recursos para arte?
Graças a Deus, Doraci está viva e atuante. Um de seus sonhos é deixar para Santa Catarina essa obra magnífica, que é também um marco de seu trabalho escultórico.
     Artista homenageada numa das edições do Salão Nacional Victor Meirelles, Doraci Girrulat foi na ocasião apresentada pelo então diretor do Masc, João  Evangelista de Andrade Filho, como a mais relevante artista catarinense da segunda metade do século XX. Atualmente existe um fundo municipal para ser aplicado em obras de arte pública, que poderia ser complementado com patrocínio de empresários inteligentes, que tornariam exequível a concretização desta obra referencial. 
     Os Catarinenses ficariam livres do constrangimento de passar diariamente pelo que foi colocado indevidamente no lugar da obra premiada. Ao invés de constrangidos, ficaríamos orgulhosos e agradecidos por termos uma escultura do porte dessa obra de Doraci, dando boas vindas aos que visitam a capital do estado. 





PS: Para evitar mal entendidos, é bom frisar que não estamos criticando o autor da obra, conhecida como 'espeto corrido', e sim o trabalho que ai está e que não representa de jeito nenhum o melhor de sua produção.

PS2: Um problema desses concursos propostos por entidades, que querem homenagear essa ou aquela causa, é que acabam direcionando artistas mais ingênuos, que na vontade de agradar acabam apostando no óbvio. Dai, o desastre é total. Basta vermos o horror estético de "monumentos" tipo o que homenageia a PM, colocado acintosamente na via mais nobre da cidade, a Beira-Mar Norte. A PM de Santa Catarina merece ser homenageada sim, mas dentro do espaço que sedia seu campus. Para que uma possível homenagem possa ser colocada em espaço público, é imprescindível que se siga a orientação de pessoas tecnicamente capacitadas para fazê-lo. No caso de Florianópolis, temos uma comissão de arte pública de padrão internacional. Aposto que nem foi consultada. 
Outra aberração gritante é o "monumento aos coxinhas", colocado no largo da Alfândega, que compromete visualmente o mais relevante exemplar da arquitetura neoclássica de Santa Catarina.
Vão dizer que "o povo gosta"! Mas isso não é argumento para justificar o equívoco de confundir o que é arte pública com arremedos bisonhos de alegorias primárias de escolas de samba de terceiro grupo.

     Está na hora de deixarmos de ser provincianos e cultivar o kitsch como a única opção estética ao nosso alcance. Não adianta a capital do estado, que atrai visitantes do mundo todo, querer ser moderninha, com suas festas eletrônicas (nada contra!) e desqualificar o espaço público com trabalhos altamente comprometedores para qualquer civilização.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Arte Pública e a Qualificação do Espaço Urbano

         A polêmica criada com a intervenção feita na montagem que, ao lado da entrada principal da cidade, pretende homenagear a cultura açoriana, merece algumas considerações: 
      Há alguns anos, participei, no Centro Integrado de Cultura,  de uma comissão julgadora que tinha como objetivo escolher e premiar a melhor proposta para criação de um marco que homenageasse a imigração açoriana no estado. 
     Dentre os trabalhos recebidos pela comissão constatou-se que apenas uma proposta possuía qualidade suficiente para realizar um projeto de tal envergadura. Os demais concorrentes, por não terem as condições mínimas necessárias,  foram simplesmente desclassificados.
     O trabalho escolhido e premiado foi  a proposta da artista Doraci Girrulat, que, numa linguagem contemporânea, criou uma obra a partir de estruturas curvas  de metal cujas formas escultóricas em três módulos vazados sugeriam sutilmente o desenho das velas das naus. 
     A superfície desses módulos, obtida através de tramas de aço, em alguns pontos criava recortes que remetiam  às tramas dos crivos, rendas e bordados ilhéus. Essa escultura foi pensada para ser colocada ao ar livre, junto a cabeceira da nova ponte. Seria uma referência para a cidade e uma digna homenagem aos que a colonizaram. 
     Porém, por motivos puramente pecuniários, os promotores do evento, num desrespeito total a decisão do júri, optaram por mandar erigir uma obra de custo menor, que não tinha sequer sido classificada.
     Uma obra de arte não se justifica apenas pelas intenções do autor, mas sim pelo resultado que ele consegue obter na estruturação formal de sua proposta. O que colocaram ali é ingênuo, bisonho e altamente comprometedor. A cidade, que poderia ter em seu acervo de arte pública uma obra do porte da proposta premiada, acabou ganhando um 'presente de grego'. 
     Temos uma comissão de arte púbica, que vem tendo uma atuação altamente gabaritada. Essa comissão deveria ser consultada não só sobre esse assunto, mas sobre a colocação de qualquer obra em espaços públicos, pois não se justifica que os mesmos sejam invadidos por trabalhos que nada acrescentam ao nosso acervo de arte pública, que está sendo construído com critérios bastante claros.      
     Ainda é tempo de desfazer o equívoco e remediá-lo. Atualmente, existe um fundo municipal de arte pública, e esse poderia, quem sabe, ser utilizado para concretizar-se a proposta de Doraci, com a qual o povo e a cultura açoriana seriam homenageados a altura da importância da contribuição que nos legaram. 



Beta Monfroni

   Tendo como ponto de partida a observação de simples feixes de gravetos, Beta Monfroni como excelente desenhista que é, despojou-os de seu peso, volume e características não essenciais, convertendo-os em ideias com as quais criou sua escrita particular.
Essa escrita nos fala de um microcosmo pautado pela discrição, sutileza e sensibilidade.
   A expressividade dos desenhos resulta da fluidez do traço, dos contrastes estabelecidos entre linhas de diferentes espessuras, das texturas gráficas obtidas através de um maior ou menor adensamento de linhas que ora se expandem ora se contraem, e, sobretudo, pela tensão espacial criada pela justaposição de verticais e diagonais que predominam, impregnando as composições com seu instável equilíbrio. Sem conotações ilustrativas, são desenhos que possuem uma absoluta autonomia plástica.
   Através dessa técnica que é a arte mais elementar da plástica, presente em praticamente todas as formas de expressão artística, Beta nos fala da sua própria subjetividade com suas tensões, conflitos, perplexidades e encantamentos.

  

domingo, 25 de setembro de 2016

Fernando Lindote

Fernando Lindote é um dos raros artistas que sem repetir-se jamais, transita com desenvoltura e de forma muito marcante, pelas principais vertentes da arte contemporânea.
A experimentação plástica, aliada a uma inesgotável capacidade criadora, levou-o a recorrer em diferentes fases, aos mais diversos materiais, procedimentos e suportes.
Em sua individual que esta acontecendo na galeria Sítio, através de impactante série de óleos sobre tela, articula contundente libelo plástico contra todas as formas de opressão, violência e brutalidade que emanam do centro de um sistema injusto, desumano e cruel.
A exposição organiza-se em torno de dois núcleos: num deles, colocado logo a entrada, imagens metafóricas de símbolos do poder erguem suas torres fantasmagóricas em meio a vermelhidão de um campo de guerra minado, atravessado por tanques blindados.

      Outra tela de igual dimensão, toda em branco e preto, apresenta as mesmas imagens sinistras da praça dos Três Poderes com seus ícones inconfundíveis, corroídos, transformados em carcaças e escombros. Essas estruturas apocalípticas que desabam sobre si mesmas recortam-se contra um fundo negro, que reproduz em relevos da tinta empastada silhuetas do Pão de Açúcar e da Baia de Guanabara, numa busca patética de luz.
O outro núcleo da mostra, organiza-se em torno da grande tela que representa a figura inquietante de um suíno multicolor de pé, posando à maneira dos retratos oficiais dos grandes mandatários. Na parede ao lado, perfilam-se em pequenas telas irônicos “auto-retratos com máscara de porco”.
Na ambivalência representativa dos símbolos e metáforas que utiliza, Lindote sabe evitar o tom discursivo, permitindo sempre que os elementos formais sejam os protagonistas da obra.
Valendo-se dos recursos expressivos tradicionais da técnica da pintura a óleo, transforma, a partir da aplicação de texturas, cores e veladuras, a superfície das telas em campos magnéticos, em torno dos quais gravitam outros signos.
Tensões espaciais reveladas em todo seu poder sugestivo, planos e cores simplificados ao extremo, estruturam-se visceralmente, estabelecendo o drama plástico que desvela toda a extensão da tragédia contemporânea.
Colocando-se não como ator da cena, mas sim como testemunha perplexa de um mundo dilacerado, o artista mantém metafórica distância em relação ao tema, que lhe permite delimitar pela própria estrutura formal, a significação dos símbolos adotados, de maneira que persista a autonomia plástica e coexistam significados emocionais diversos ou mesmo contraditórios.
A pintura que encerra a exposição é uma surpreendente e magistral natureza morta. Buscando na melhor tradição do gênero os símbolos da efemeridade da vida, da ressurreição e da morte, o artista criou um conjunto de trágica e deslumbrante beleza.
Sob a iluminação barroca de um céu tormentoso, onde apenas uma nesga de azul aparece, um crânio invertido serve de pedestal para uma borboleta furta-cor.
No canto direito da tela, envolta em luminosas e transparentes veladuras, num grito de luz e de esperança, uma flor esplêndida desabrocha. Formula plasticamente premissas básicas para a construção de um novo homem e do advento de uma nova humanidade...





Janor Vasconcelos



 A série de trabalhos de Janor Vasconcelos, inspirada no cotidiano das minas de carvão do sul do Estado, destaca-se entre a produção visual catarinense, por sua tendência social e pela sua singular expressividade.
Dando visibilidade a estes seres que vivem confinados aos subterrâneos das minas, de onde extraem a riqueza do solo com suas mãos encarvoadas e grosseiras, o artista, ao mesmo tempo que denuncia as precárias condições de vida em que vivem esses operários, traça uma das mais contundentes obras gráficas a partir da elaboração formal desse tema.
Seu processo de criação justapõe o desenho de cabeças de mineiros, que com seus capacetes característicos, repetem –se como módulos num continuo moto - perpétuo.
Na composição, obedece sempre a uma hierarquia das formas, sintetiza os elementos, deixa de lado o que não interessa, e articula uma trama em formato de grade, formadora de um todo completo em si mesmo, que nos revela a essência e o segredo de sua obra.
Transformadas em signos gráficos, as cabeças de mineiros atingem sua máxima potência expressiva, na própria articulação do arcabouço estrutural que lhes serve de sustentação.
Essas complexas estruturas, desenhadas de forma quase compulsiva, delineiam e estabelecem tensões espaciais, cuja fluidez coloca o observador em contato direto com o próprio processo criativo. É um processo, cuja vocação ordenadora, se apodera dos elementos formais contidos no tema básico, e os estrutura de maneira a desvendar totalmente a essência irredutível da necessidade primordial de expressão.
Repetidos de forma quase compulsiva, a impressionante força desses desenhos, resulta da própria exteriorização formal da vida, captada em seu ritmo vital onipresente.
Criativo e inquieto, o autor além dos desenhos a nanquim sobre suportes de papel, que por vezes se estendem por vários metros ocupando toda a extensão da parede, incursiona pela tridimensionalidade através de esculturas cerâmicas, bronze e instalações.
As esculturas em terracota ou em bronze, impõem-se pela dramaticidade e grande força telúrica .
Partindo sempre do universo que envolve a extração do carvão, Janor apropia-se de teodolitos, fragmentos de minério ou outros objetos congêneres para delimitar o espaço de suas instalações que utilizam também fotos ampliadas das bocas de minas abandonadas ou não.
Em outras propostas prevalece o caráter processual como é o caso das montagens sobre a parede das centenas de canetas utilizadas na criação dos desenhos, ou nos fragmentos de pregos de aço atirados sobre os trilhos dos vagões que conduzem o carvão. Após serem amassados pela passagem do trem, esses pregos são recolhidos e aproveitados como elementos formais definidores da proposta processual, que obedece a mesma vocação ordenadora e lógica formal seriada dos desenhos.
Esse procedimento com os pregos atirados sobre trilhos, remonta à memórias da infância do artista que costumava brincar com seus colegas ao lado da ferrovia.
Propondo uma reflexão sobre a alienante massificação a que estamos todos sujeitos, os trabalhos de Janor deixam emergir na sua própria estrutura formal um aspecto lúdico construtivo que aponta para a necessidade de recuperarmos a vitalidade primeira, seguirmos nossos impulsos interiores, e conquistarmos a plenitude da existência, não obstante as amarras e impedimentos das redes e tramas dos sistema.



Dois passos para frente e três para trás! Artes Plásticas Catarinenses

Não há como negar que houve um considerável retrocesso em relação a conquistas que os artistas catarinenses, a duras penas, tinham conseguido há décadas atrás. O motivo principal, sem dúvida, é a desorganização da classe artística e absoluta ausência de lideranças que consigam aglutinar o setor em torno de suas propostas. Nos últimos anos, assistimos a desagregação das Associações de Classe, que tiveram um papel fundamental em relação a assuntos estratégicos, tais como os circuitos de arte catarinense, através dos panoramas, que itineravam pelo estado, apresentando a produção das diversas regiões de Santa Catarina. Da mesma maneira, o Salão Nacional Victor Meirelles, que permitia uma atualização constante de nossa arte em relação ao que se faz no resto do país, além de apresentar nossos artistas a críticos e curadores do centro do país, desapareceu também sem que a classe artística desse o menor sinal de não estar conivente com o caso. Quanto a FCC, através da sua diretoria de arte, limitou-se a dar as desculpas de sempre: "-O Salão está sendo repensado, blá, blá, blá...". Na verdade, o que ocorreu foi a pura e simples extinção do mais importante evento de artes plásticas que Santa Catarina conseguiu realizar em toda a sua história. A própria direção do MASC, entregue atualmente a um jovem simpático mas sem condições de desempenhar a função de liderança da visualidade catarinense que fica a mercê de si mesma, sem sair do lugar e pior, retrocedendo cada vez de forma mais irreversível a um estado de inércia e marasmo. A culpa é dos próprios artistas que tudo aceitam e não assumem o seu papel perante as instituições. O Estado é uma pedra que só se move sob pressão. Esta realidade óbvia parece ser ignorada por aqueles que ficam esperando que haja qualquer mudança milagrosa por parte dos que administram o setor cultural institucional de Santa Catarina. Se não houver pressão, cobrança constante e propostas compatíveis com nossa realidade vamos continuar na mesmice. Claro que existem artistas e grupos fazendo seus trabalhos, porém falta uma aglutinação em torno de objetivos comuns e cada um acaba ficando isolado, sem ter condições de desempenhar seu papel em toda plenitude.
Obra de Rubens Oestroem, premiada numa das edições do Salão Nacional Victor Meirelles



O QUE QUE É?

Com a pá virada ::: Opiniões, críticas e sugestões sobre a atual situação das artes plásticas em Santa Catarina. IoI :)