quinta-feira, 29 de junho de 2017

SAULO FALCÃO - Uma arte que nasce da pura invenção!

Gado no Pasto na Neve- Saulo Falcão


Dentre  as mil e quatrocentas obras inscritas na décima terceira edição da  BIENAL NAIFS DO BRASIL 2016, promovida pelo SESC PIRACICABA SP, foram selecionadas cem, sendo uma delas de autoria de Saulo Falcão, artista outsider nascido em Santo Antônio de Lisboa e lançado pela Casa Açoriana, que acompanha todo seu percurso tendo inclusive realizado uma mostra individual de seus trabalhos em 2016.

A Bienal, apresentada inicialmente  no SESC Piracicaba, foi, devido ao sucesso, remontada desde abril no SESC Belenzinho da capital paulista, onde permanecera exposta até julho próximo.

Como artistas convidados participam da Bienal da qual Saulo faz parte,  os artistas: VOLPI, CICERO DIAS, DJANIRA, GUIGNARD, FLAVIO DE CARVALHO, VANIA MIGNONI, JORGE GUINLE, MONTEZ MAGNO, JOSÉ CLAUDIO e vários ouros nomes de igual importância.

A pintura de Saulo intitulada Gado no Pasto na Neve foi incluída no módulo Pictórico da Bienal, definido pela curadoria como representativo  do “desejo pela pintura que se interpõe a narrativa e que desejante, delira.”

Diagnosticado na adolescência como esquizofrênico, Saulo começou a pintar a cerca de dez anos, quando através da Casa Açoriana teve acesso aos pincéis, telas e tintas. Sua produção inicial dividia a tela em planos sobre os quais aplicava as cores chapadas com limites geométricos bem precisos. Aos poucos foi cobrindo as superfícies com sobreposições de pinceladas  gestuais de  forte  carga expressiva deixando-se cada vez mais levar por aquilo que no  livro catálogo da Bienal foi definido como ‘O desejante da pintura’. Quando se deseja, deseja-se o todo da cor, da tinta, da  massa, do escorrimento, do volume, da superfície, do espaço.

Dando vazão, através da arte, as imagens, símbolos, memórias, sonhos, fantasmas e fantasias interiores, Saulo conseguiu, de certa forma, reorganizar o caos de seu mundo interior, conturbado  e desestruturado pela doença. Parou de ouvir as vozes que o atormentavam e de ter os delírios alucinatórios frequentes  que acometiam sua mente perturbada.

Saulo Falcão frente a seus trabalhos em sua primeira individual.

 Não se pode dizer que ficou curado, ainda acontecem surtos agravados pela dependência química, mas a arte sem dúvida auxiliou-o a reorganizar seu centro, vir a tona das profundezas do seu delírio, e ter uma vida mais ou menos dentro dos parâmetros socialmente aceitos.


O vigor e a desinibida expressividade de sua arte, indômita e furtiva, como uma criatura selvagem, incluem sua pintura no que se convencionou chamar de “ART BRUT”, um tipo de arte que segundo o artista francês Jean Dubuffet “é uma arte que nasce da pura invenção e que jamais se baseia, como faz a arte cultural com frequência, em processos que evocam o camaleão o papagaio. “

O impulso primordial do homem de observar, criar e desenvolver seu vocabulário visual pessoal, atestado  por ações que vão desde as pinturas rupestres das cavernas  até os grafites anônimos dos muros de nossas cidades,  enfatizado pela  Arte Bruta,  levou  Jean Dubuffet e os críticos André Breton  e Michel Tapié a fundarem em 1948 a  Compagnie de l´ Art Brut,  com o objetivo de colecionar e estudar esse tipo de arte que até então existira paralelamente ao mundo oficial da arte.

A ênfase dada por Dubuffet á fonte intuitiva e primordial da arte foi compartilhada por figuras associadas à arte informal, ao expressionismo abstrato e ao grupo Cobra.

Um dos integrantes do Cobra, que dissolveu-se em 1951, o belga holandês Corneille chegou a vir a Santa Catarina anos mais tarde, para conhecer pessoalmente a artista brut Eli Heil, da qual adquiriu obras, deixando registrado no livro de presenças da artista um texto onde a considerou  como uma irmãzinha menor de Van Gogh.

As  buscas da completa liberdade de expressão, e da necessidade primordial do homem de expressar seus desejos, fossem eles belos ou violentos, celebrantes ou catárticos, que fizeram Dubuffet interessar-se  por pinturas, desenhos e esculturas feitas por pessoas sem treinamento em arte a salvo das convenções sociais, da formação acadêmica e portanto livres para criarem obras de verdadeira expressividade,  compartilhadas depois  pelos integrantes do Cobra, deram de certa maneira continuidade ao projeto iniciado pelos surrealistas, no sentido de liberar o inconsciente e de subtrair-se ás influências "civilizadoras"  da arte.

domingo, 4 de junho de 2017

O SOM E O SENTIDO DAS 'PALAVRAS EM MOVIMENTO' DE ARNALDO ANTUNES NO MASC




Buscando encontrar correspondências entre som, palavra, música e seus correlatos gráfico-visuais, Arnaldo Antunes, através da reunião de trabalhos seus provenientes de diferentes períodos, montou a mostra PALAVRAS EM MOVIMENTO, exposta atualmente no Museu de Arte de Santa Catarina (até 2 de julho). A exposição vista em seu conjunto funciona como se fosse um grande espelho, cujos fragmentos refletem a relação de forças e o pensamento dilacerado de nossa civilização.
A busca de estabelecer relações entre palavra, som, imagem, a ênfase nos aspectos gráficos e fonéticos da escrita, bem como o papel de protagonista principal atribuído a palavra-objeto,  filiam a produção deste artista aos postulados concretistas, cujos reflexos são perceptíveis também em suas criações no campo das artes visuais.
O valor de linguagem visual da expressão gráfica da escrita alfabética e sua expressividade independente, tornam-na capaz de dar uma verdadeira dimensão espaço-temporal ao pensamento humano traduzido em palavras.


PALAVRAS EM MOVIMENTO possibilita reflexões muito oportunas nesse momento crucial de impasses que nossa civilização enfrenta. Não se trata de uma proposta meramente formalista (crítica, aliás, descabida, que já se tornou usual ao se falar do concretismo paulistano). Marcas do homem deixadas em seus traçados, as letras, no fundo, são essencialmente sons.
Nada mais natural portanto, que o ponto de partida para a mostra PALAVRAS EM MOVIMENTO,  tenha sido as palavras, as  letras, seus sons e sentidos.
Criador versátil e complexo, misto de músico, compositor, poeta e artista visual, Arnaldo Antunes, durante décadas, desenvolveu e aprofundou pesquisas explorando os mais variados meios de expressão. A densidade, desdobramento poético e rigor de construção das obras que criou em seu percurso até o período atual, podem ser conferidos no conjunto de trabalhos que o MASC expõe.
Logo no inicio da individual, o visitante depara com uma porta branca entreaberta fixada sobre uma base através de um eixo que permite o movimento de abrir ou fechar.
 Iniciando a sequência de obras expostas uma série de pequenas colagens da década de 1980, mesclam fragmentos de textos e imagens, intercalando elementos que vão se articulando em torno de coordenadas que organizam  o espaço de forma dinâmica.
Nas obras que vem a seguir, é a própria palavra e letra-signo que se impõe como principal elemento plástico, com elas são exploradas as mais infinitas variações,  combinações e possibilidades formais.

Utilizando como suporte as mais diversas mídias, o  artista criou relevos de parede que avançam visualmente buscando a tridimensionalidade, mobiles constituídos por letras penduradas, objetos e montagens que se instalam no espaço, ou grafismos gestuais executados sobre papéis especiais, sempre obedecendo a uma lógica formal rigorosa e consistente. Numa dessas montagens de formato circular, que pode ser movimentado pelo espectador, letras e palavras construídas com formas vazadas de metal giram numa lúdica e engenhosa moviola.
Outras obras, estruturas em metal vasado, configuram objetos cujas superfícies, recortes e suas projeções de luz e sombra, articulam jogos de palavras pelo deslocamento de letras como é o caso de MIND WIND.

       Em outro objeto com base de madeira, a sobreposição de placas transparentes com a palavra “ANTE” em primeiro plano e “TRANSPIR” inscrita no plano mais ao fundo provoca  o movimento visual do texto que muda de posição no espaço conforme o posicionamento do observador.




O movimento real ou virtual de letras, palavras e imagens, presente em praticamente toda a mostra, ocorre igualmente nas projeções de sons e imagens dos pequenos clips, ou nos efeitos visuais dos conjuntos de monitores acoplados que justapõe fragmentos de cenas urbanas captadas nas andanças do autor. Esses monitores, com suas imagens e textos que se sobrepõe de forma dinâmica e evocativa, lembram os Cartemas de Aluísio Magalhães que justapunha módulos invertidos de cartões postais na busca de estruturar uma nova poética visual.


A articulação espacial das PALAVRAS EM MOVIMENTO expostas no MASC, permite, através da decodificação que cada um faz das palavras, sons, e signos propostos, uma recepção sempre nova por parte do observador em seu trânsito pelo espaço expositivo.
A porta branca semi-aberta instalada logo na entrada da mostra  propõe, ao visitante, possibilidades de ingressar num mundo de percepções novas sobre o sentido das palavras, das imagens, dos signos e do próprio som, faz refletir sobre um trecho da obra sonora ORÁCULO,  que faz parte  da instalação sonora onde fones de ouvido reproduzem textos ou trilhas sonora do autor. Nesse trecho o poeta pondera se não seria atualmente a arte o lugar daquilo que as desaparecidas religiões e filosofias chamavam de ESPIRITUALIDADE.
Bela e oportuna reflexão, que induz a buscar respostas ou novas interrogações, ao tentarmos juntar os cacos do grande espelho fragmentado que reflete com precisão as perplexidades e impasses do pensamento dilacerado do homem contemporâneo.