domingo, 28 de maio de 2017

Proposta multissensorial da MÁQUINA ORQUESTRA inaugura e redimensiona o novo espaço expositivo da CLARABOIA DO MASC




 O movimento representado pelo número crescente de artistas contemporâneos que vem utilizando o som em conexão com as artes visuais, aterrissou finalmente em Florianópolis com a instalação sonoro performática de Roberto Freitas, Marcelo Comparini  e O Grivo.

Apresentada na abertura do novo ciclo de exposições do MASC no dia 24  de maio e repetida na noite seguinte, a proposta foi montada na claraboia do museu e pretende ser a primeira de uma série  que incluirá artistas latino americanos.


Paralelo a  Máquina Orquestra (titulo da instalação), outro espaço do MASC mostrou aspectos da obra de Arnaldo Antunes não tão conhecidas do público catarinense,  que são suas incursões nas artes visuais.  Juntar essas duas propostas numa mesma data foi uma decisão muito oportuna, uma vez que ambas tem em sua gênese o som, a música e a imagem. No caso da mostra de Antunes, é a palavra e a letra  que cabem o papel de elemento plástico predominante, e na Maquina Orquestra é o próprio som que  funciona como elemento principal estruturando  e configurando  o espaço.

A combinação inventiva dos sons-ruídos que acompanham nosso dia a dia e que de certa forma o estruturam e definem, tem sido objeto de investigações desde os manifestos futuristas do inicio do século passado. Mais recentemente, essas questões nortearam as composições do músico  americano John Cage e nos anos 1960 serviram de base para a elaboração dos eventos sonoros do grupo Fluxus.

A partir dos anos oitenta, essa aproximação entre o que se ouve  e o que se vê,  espalhou-se pelo mundo permeando a produção de muitos artistas dito visuais.  No Brasil, a partir de 1995, o  Grupo Chelpa Ferro notabilizou-se por suas instalações sonoras mescladas a influências locais variadas.

Entre nós, o artista Roberto Freitas já havia feito experimentações nesse campo da escultura expandida tendo inclusive realizado uma individual no        ‘Coletivo NaCasa’. Sua mudança para São Paulo aproximou-o de outros artistas voltados para o mesmo campo de pesquisa.  Desse encontro resultou a formação do grupo que se apresenta  atualmente no MASC com a instalação sonora MAQUINA ORQUESTRA.

Quem  assistiu suas apresentações ao  vivo na claraboia do MASC, transformada em novo espaço expositivo do museu, teve oportunidade de constatar o adensamento e profundidade das pesquisas desenvolvidas por cada um dos artistas integrantes,  e de participar de uma rica vivência multissensorial.

A instalação sonora exposta  até o próximo dia 2 de julho, consiste num conjunto de esculturas eletromecânicas, capazes de ler e processar dados inscritos em uma bobina de papel vegetal perfurado, que alimentam e controlam um sistema de esculturas sonoras, sons sintéticos, vídeos de arquivo e câmeras ao vivo.

Moldando o som, recombinando estruturas musicais pré-estabelecidas, ou improvisando a partir  da percepção  do momento, o grupo de quatro integrantes esculpe o espaço vazio da claraboia do MASC,  construindo colunas e estruturas sonoras a partir do aparato eletroacústico dos alto-falantes,  que difundem o som alternadamente,  de modo a criar uma variação constante do lugar da emissão dos ruídos e barulhos. Essa variação faz com que a atenção auditiva mude de um canto para outro da sala, assim como o olhar, e com ele todo o corpo, que  acompanha de forma instintiva a variação constante das emissões, buscando a origem e as diferenciações dos sons produzidos a cada instante.

Essa interação entre os sentidos, cria a medida em que a performance avança, uma nova percepção do próprio espaço, que de ambiente mudo e vazio passa a reverberar os ruídos gerados como se fossem o seu próprio pulsar.


 A ressignificação do espaço, a recepção das diferentes correntes sonoras que nos chegam com sua dimensão, cor, textura, imagem,  superfície, forma, adquirem aspectos particulares que  ativam nossas memórias,  revivendo e reeditando arquivos de vivências espaciais, ambientais e afetivas.
O espaço eletroacústico  provém exclusivamente de dados sonoros, e está ligado a parâmetros de localização da fonte e de dimensão da sala, gerando uma sensação auditiva de espacialidade.

É o sentido da escuta que dá ao espaço sua qualidade plástica e o espaço sonoro faz parte da nossa própria percepção de nós mesmos.

A claraboia do MASC  funcionou muito bem para essa  apresentação, permitindo uma percepção clara das estruturas sonoras criadas, de suas relações espaciais com o próprio local e do seu significado imediato.

A combinação dinâmica entre os objetos sonoros que compõe a Orquestra Máquina, e a síntese sonora resultante da atuação performática do grupo que operou a oito mãos os dispositivos tecnológicos, criou no espaço aparentemente vazio da claraboia do MASC, um novo espaço físico sensível configurando uma proposta que tem no som seu principal elemento plástico.

A instalação Maquina Orquestra propõe a comunicação entre homem e máquina, através da ação coordenada dos artistas apresentadores que manipulam e operam uma parafernália de instrumentos e geringonças sonoras. Traduzindo os códigos da partitura de papel vegetal perfurada em formas sons e imagens compreensíveis, os leitores eletrônicos  a cada ação dos operadores da engrenagem,  decodificam os sinais convertendo-os a em imagens ou sons de diferentes  texturas, frequências, velocidades e intensidades.

O fato de a performance ocorrer em tempo real, reforça a interpenetração entre o sistema computacional da obra e os espectadores,  permitindo  que através da ação dos performers, se estabeleça um relacionamento pautado no envolvimento mútuo, tal como ocorre na apresentação de uma orquestra,  evitando assim a noção de controle absoluto da tecnologia, que tornaria difícil a comunicação e o diálogo homem-máquina proposto.




domingo, 21 de maio de 2017

Descontraída e contagiante 'joie de vivre' de HUGO RUBILAR







Hugo Rubilar, artista chileno  que morou por vários anos em Paris, radicou-se há várias décadas em Florianópolis, cidade que escolheu para montar seu atelier.
 Seu temperamento extrovertido e sua personalidade  original  fazem com que sua presença performática  destaque-se nos eventos dos quais participa. Sua arte comprova o acerto da máxima de Millôr Fernandes que afirmava “o estilo é o homem”.
 Suas pinturas,  goste-se ou não, são um fiel reflexo de sua autêntica, leve e divertida maneira de ser.            
Sociável    e festeiro, é presença assídua nos principais eventos socioculturais  locais, sendo uma figura muito querida no meio artístico da capital catarinense.

 Sua enorme produção,  de caráter predominantemente gráfico, consiste basicamente  em pinturas  estruturadas a  partir de planos de cores delimitados por linhas. São essas linhas que funcionam como as principais geradoras das imagens, e como organizadoras e definidoras do próprio espaço pictórico. Seu estilo tem suas matrizes no movimento da Pop-Art dos anos sessenta, revisitados e adaptados as suas próprias necessidades expressivas.
 No tratamento divertido e bem humorado  das imagens que utiliza, nos harmônicos planos de cores chapadas, na inserção de textos e  nos detalhes,  verificam-se similaridades com as soluções gráficas das histórias em quadrinhos (HQ), dos desenhos de animação e do design publicitário.


Essa nova figuração Neo-pop,  que ao contrário da tradição das escolas modernistas, que desenhavam  a partir da observação do modelo, utiliza imagens de terceira geração retiradas da mídia, reflete sob medida  a maneira de ser do autor em cujas obras percebe-se também a descontração jovial dos grafites e o humor dos cartuns.
Apoiadas estruturalmente no traço, algumas de   suas obras, pelo predomínio  do desenho narrativo e pela importância secundária  atribuída a cor,  possuem  clima marcadamente  anedótico. Nelas, as linhas definidoras dos planos assumem o papel principal, e  passam a ter o caráter de uma escrita orgânica, que se faz no encontro das superfícies e corpos.
 Com um traço muito peculiar, seu desenho que flui de forma aparentemente espontânea, é ao mesmo tempo  simples,  elaborado e sofisticado.
 Tendo como tema objetos e cenas do cotidiano, cria imagens divertidas e descoladas,   não abrindo mão nem mesmo de alguns ícones neo-hippies como mandalas de elefantinhos, peixes,  flores, etc.
 São muito interessantes e divertidas suas pinturas de mesas postas com seus pratos e talheres vistos de um plano aéreo. O vasto repertório das imagens que utiliza inclui desde bicicletas, motos, animais domésticos, casais de namorados, plantas exóticas como os cactos do deserto de Atacama até  as prosaicas sandálias de dedo ou os utensílios de cozinha que, reinterpretados por sua  ótica particular, adquirem  toda uma nova aura e poética visual.
 



Em suas obras mais representativas, composições equilibradas, soluções gráficas,  elegantes e bem articuladas espacialmente,  criam ritmos dinâmicos enriquecidos pelos contrastes de planos de cores  sensuais e vibrantes.
 O tratamento das superfícies, como acontece nos  affiches, recorre a cores chapadas que assumem totalmente a bidimensionalidade do  suporte, sem preocupações com profundidade e volume. Nos esquemas cromáticos, predominam por vezes soluções monocromáticas, ou valores da escala  média de tons com suas nuances suaves de cor  e tonalidades pastéis.
  outras obras mais ousadas, exploram os aspectos ornamentais e sensoriais das  cores de cromas saturados, criando grandes planos de superfícies visualmente impactantes recobertas de vermelhos, azuis ou amarelos luminosos.
 Por vezes, restringe-se basicamente ao preto e branco com pequenas notas de cor, acentuando e exacerbando o grafismo e a síntese formal. 
 Em pinturas de sua produção mais recente,  Hugo adota um tratamento diferenciado mais gestual  e solto, deixando fluir as pinceladas e libertando a cor das amarras do  desenho. 



Não dá ainda para afirmar se seria o início de uma nova fase do artista, ou se trata apenas de simples experimentações. O certo  é que revelam domínio do métier e abrem amplas possibilidades de renovação, caso o artista decida trilhar caminhos diversos daqueles que caracterizaram suas fases anteriores, mais voltadas para linguagens próxima a ilustração.
 Lirismo, irreverência, descontração e humor, são elementos sempre presentes nas criativas obras  de  Hugo Rubilar, cuja fluidez de formas e linhas articuladas no espaço com requintado sentido gráfico e ornamental, expressam com propriedade a singular personalidade artística do autor, propondo-nos  compartilhar sua feérica alegria de viver.



segunda-feira, 15 de maio de 2017

A Casa Açoriana abre as portas do mundo mágico de FREEKJE VELD






Nascida e criada na Holanda, formada em design gráfico na Academia de Artes de Utrecht, Freekje Veld mudou para o Brasil em 1997 e reside atualmente em Sto. Antônio de Lisboa. Ilustrou vários livros didáticos e de ficção infantil e juvenil para editoras europeias e brasileiras.

A partir de dezembro de 2016 expõe seus desenhos e assemblages na galeria da Casa Açoriana de Sto. Antônio.

Grande sucesso da temporada de verão da Casa Açoriana, Freekje teve suas obras disputadas por colecionadores que adquiriram praticamente tudo que estava exposto. Assim, uma individual que a Casa pretendia realizar em junho próximo com seus trabalhos, teve que ser adiada.

Requintadas, poéticas e originalíssimas, suas peças caracterizam-se pela extraordinária sensibilidade para com os materiais, criatividade e inventividade sem limites. A atmosfera peculiar das obras surpreende e encanta, fascinando o espectador com sua riqueza de detalhes minuciosos.


 Justapondo fragmentos de objetos de madeira, porcelana ou metal, ou remontando num novo contexto ferramentas oxidadas como enxadas, picaretas, foices, limas ou machados, Freekje cria também pequenas cenografias onde as cenas se desenrolam. Muitas das peças se movimentam a partir da manipulação de minúsculas manivelas acopladas aos trabalhos. Ao acionar essas manivelas, o espectador faz movimentar as engrenagens constituídas por roldanas ou rodas dentadas, embutidas no interior dos trabalhos, que imprimem movimento as figuras. Esse aspecto cinético reforça o clima lúdico, humorístico e poético das preciosas miniaturas.
Em algumas peças de maior formato, impõe-se o caráter escultórico obtido através da articulação espacial muito bem arquitetada dos elementos compositivos utilizados.



O humor nonsense e a atmosfera onírica dos trabalhos de Freekje, lembram por vezes o clima fantástico das obras de René Magritte.

As referências cultas presentes nestas obras aliam-se à desenvoltura com que a artista transita por alguns dos movimentos mais marcantes do modernismo. São perceptíveis ecos do surrealismo, da arte povera, da arte cinética de Tinguely, da arte fantástica, dos ready made e, sobretudo, das assemblages.

Freekje, com sua linguagem sui generis abre as portas de um mundo mágico que tal como o buraco pelo qual cai a Alice de Lewis Carroll, leva a um espaço cuja dimensão mágica nos propõe e permite vivenciarmos as delícias de um mundo  encantado, cuja lógica foi invertida e transformada pelo poder da imaginação  em pura poesia visual.