domingo, 30 de outubro de 2016

Lançamento Histórico: Arte Pública em Florianópolis - 1990/2015.



  No começo dos anos 80, ao ser eleito para assumir a presidência da Associação dos Artistas Plásticos de Florianópolis, cargo deixado vago com o pedido de demissão de Eli Heil que presidia a entidade, tomei, de imediato, várias providências para expandir a área de ação da entidade, dar mais visibilidade à produção das artes plásticas catarinenses e ampliar o campo profissional de nossos artistas. 
  Visando liderar a movimentação das artes plásticas em todo o estado, mudamos o nome da associação, que passou a se chamar ACAP (Associação Catarinense dos Artistas Plásticos). Por tratar-se de uma entidade que reunia artistas plásticos de todas a regiões do estado, pleiteamos e obtivemos o espaço da ex-alfândega para sediar nossas atividades, uma vez que o MASC que ali estivera, havia se mudado para o prédio do CIC.
  Com toda a infra-estrutura propiciada pelo espaço, situado num dos pontos mais centrais da cidade, iniciamos uma série de ações que mudaram radicalmente os perfis da arte produzida até então entre nós. 

  Visando uma atualização, organizamos mostras de outdoor, estandartes, intervenções urbanas, instalações, performances, arte postal, etc., colocando os artistas catarinenses sempre frente a novos desafios. O resultado dessa movimentação dos anos 80, pode ser conferido no 'Panorama do Volume', que decidimos, eu e Harry Laus, promover no MASC, em 1990. Colocando frente a frente os artistas com a linguagem tridimensional, conseguiu-se um resultado que extrapolou os limites de Santa Catarina. A 'Gazeta do Povo', de Curitiba, publicou uma extensa análise da crítica paranaense Adalice Araújo que, entre outros elogios, afirmava que o nível do 'Panorama do Volume' nada ficava a dever às melhores mostras internacionais congêneres.
  Percebendo a importância desse grande divisor de águas entre o anacronismo reinante a poucas décadas atrás, e as linguagens das novas gerações que se impunham, em 1985 encaminhamos à câmara municipal um projeto de arte pública semelhante ao que já existia na cidade de Recife, em Pernambuco. Os objetivos eram estimular os artistas a abandonarem a linha de conforto e passarem a encarar os desafios que essa questão tão importante da contemporaneidade propunha a todos. 
  Ampliar o mercado profissional de nossas artes, humanizar o espaço urbano, permitindo um contato direto da arte com o grande público, foram os principais motivos que nos fizeram tomar esta iniciativa, cujos frutos hoje podem bem ser avaliados com o lançamento da histórica edição do livro-catálogo Florianópolis Arte Pública 1990-2015.
  O processo inicial que deu origem a essa lei, foi o envio que fizemos para a câmera de vereadores de Florianópolis, de um texto baseado na lei de arte pública de Recife que tornava obrigatório a inclusão de obras de arte em edificações de mais de 1000 metros quadrados. Sob a alegação de que a inclusão obrigatória de obras de arte iria onerar o custo de cada edificação, o projeto foi rejeitado. Anos depois, fui chamado na câmara, pois havia interesse das construtoras de que a lei fosse implantada, desde que a colocação das obras não fosse obrigatória  mas opcional e caso a construtora fizesse uso da mesma, seria beneficiada com 2% a mais sobre a taxa de ocupação. Essa alteração tornou a lei viável e possibilitou  a sua implantação.
  Sonhávamos que com a existência dessa lei de arte pública, finalmente seria possível termos painéis murais ou esculturas de Eli Heil, Cascaes, Pléticos, Meyer Filho, Vechietti, Martinho, Hassis e tantos outros  espalhados pela cidade. Infelizmente, devido a uma série de fatores, isso não ocorreu.
  Como o assunto da arte púbica nunca havia sido levantado, de início foi difícil convencer os artistas a enviarem projetos para o IPUF ou procurarem as construtoras. Os primeiros passos na implantação desta lei foram tímidos e tateantes, mas pouco a pouco, artistas de outras gerações começaram a se interessar e por volta de 1995 começaram a aparecer as primeiras obras significativas. 
Obra de Nani Eskelsen
  A comissão de arte pública foi criada. Aprimorada através dos anos, passou a ter papel fundamental para o sucesso do projeto. Dialogando com os artistas, levantando questões, sugerindo estratégias, propiciou um amadurecimento gradual de todos os envolvidos na questão. Hoje, decorridos 25 anos da data de implantação do projeto,  a cidade ganhou um acervo considerável de arte inserida em seu espaço urbano. Atualmente, mais de 300 obras espalham-se pelos mais diversos pontos no centro e nos bairros. Ampliando consideravelmente o campo profissional para nossos artistas, essa lei deu maior visibilidade à produção contemporânea catarinense, lançou novos artistas e sobretudo enriqueceu nosso espaço urbano. 

Obra de Giovana Zimermann

  A equipe de arte púbica do IPUF, juntamente com a comissão municipal de arte pública Comap, enfrentou com galhardia problemas e desafios de toda especie.
Com muita competência, paixão, idealismo e persistência, conseguiu fazer com que nossa lei de arte pública seja hoje, por seu alto padrão, um paradigma, reconhecido pela sua qualidade  tanto nacional como internacionalmente.
  Num país onde quase inexistem políticas definidas nem regras claras para a questão da arte pública, é fácil avaliar a importância de que se reveste todo esse processo de implantação e viabilização das ideias contidas no projeto. 
  Vários técnicos do IPUF e colaboradores contribuíram para que se alcançasse um patamar de excelência. Destacam-se, dentre os vários gestores, os trabalhos de Lú Pires, coordenadora da comissão de arte, e César Floriano, seu principal mentor intelectual.
  Com uma consistente formação profissional e uma paixão sem limites pela questão da arte pública, Floriano ampliou com seu olhar o alcance das propostas inicialmente colocadas no texto original  da lei.
  Podemos considerar que a forma como a lei de arte pública foi viabilizada e implantada na capital do estado, fez dela um dos fatores mais relevantes para o estímulo, atualização e aprimoramento das linguagens utilizadas por nossos artistas para darem o seu recado. 
  Despertando um novo olhar naqueles que a encontram no seu dia-a-dia, as obras de arte pública, além de propiciar uma fruição estética a todos, contribuem e muito para a educação artística do público. Humanizam o espaço urbano, tornam-se um referencial da paisagem e do espaço, funcionam entre tantas outras finalidades como um despertar da sensibilidade e uma introdução ao gosto pela arte. 
  Afinal, uma das funções humanas mais vitais é justamente a criação e a fruição da obra de arte. Parabéns, pois, a todos que tornaram possível esta realidade, hoje vivenciada na capital catarinense. 



Obra de Paulo Gaiad

domingo, 9 de outubro de 2016

Um Campus sem Alma: UFSC - ARS ET SCIENTIA?

Outdoor do artista Meyer Filho

Em matéria já publicada neste blog, falamos sobre o descaso para com as artes plásticas catarinenses, um dos nossos mais relevantes setores culturais.
Infelizmente, esse descaso e indiferença não se restringem unicamente aos poderes municipais e estaduais mas contamina também, praticamente, todas as instituições que poderiam contribuir para que a situação fosse outra. 
Vejamos, por exemplo, o caso da própria Ufsc, que traz em seu emblema o lema Ars et Scientia. Para cumprir plenamente o papel que se espera de uma universidade civilizada, sua ação, no que concerne as artes plásticas, deveria ser bem outra que a que vem adotando em sua história. Os fatos falam por si: na gestão do reitor Diomário Queiroz, por exemplo, houve uma tentativa de integração entre os artistas e a Ufsc, um atelier de gravura em metal foi formado. Dirigido por Max Moura e Flávia Fernandes, essa oficina do mais alto nível conseguiu fazer uma permuta com a própria universidade, que em troca de um painel mural constituído  por gravuras de artistas que frequentavam o atelier, adquiriu uma sofisticada prensa de gravura em metal. Pois bem, essa grande prensa elétrica, a melhor existente no estado, foi simplesmente abandonada quando da mudança de reitor. 
Segundo nos informaram, o espaço que abrigava as oficinas foi requisitado por um curso, parece-nos, de engenharia, e a prensa ficou simplesmente abandonada num local sem condições mínimas de abrigar tão precioso acervo. Deteriorando-se com as intempéries e o abandono, a prensa foi requisitada pela Udesc, pois por parte da Ufsc, não houve o menor interesse de dar continuidade ao importante trabalho que vinha sendo realizado nas oficinas que foram simplesmente desativadas, impedindo a continuação de uma  pesquisa e produção gráfica das mais relevantes. 

Quanto ao painel de gravuras que ensejou a permuta, foi colocado ao lado da escada que dava acesso ao segundo piso do seu antigo centro de convivências.

Não sabemos as condições em que se encontra hoje,  uma vez que o  Centro de Convivência foi reformado. Esperamos que não tenha tido o mesmo triste destino da Galeria de Arte da Ufsc que, fechada para reformas há quase uma década ou mais, simplesmente desapareceu sem deixar vestígio, provocando um prejuízo incomensurável para a  vida cultural do campus. 
Atualmente, alguns cursos de artes vem sendo implantados como cinema, teatro e design, mas é preciso ir bem mais além. A Usp, por exemplo, mantem e administra o Mac, um dos maiores museus de arte da América Latina. Por que a Ufsc não tenta seguir o exemplo, criando um museu de ate contemporânea que possibilite aos artistas catarinenses ou de outros estados mostrarem sua produção aos estudantes que estão sendo formados nesta universidade? 
Lembremo-nos que fora da cultura e da arte não há civilização possível, e se considerarmos a realidade em que vivemos, sob esse aspecto, ainda estamos bem próximos a barbárie. 
A foto que acompanha esse texto reproduz o outdoor do artista Meyer Filho, que fazendo parte do evento Arte na Rua II, que organizamos através da Acap, nos anos 80, com a participação de 20 dentre os mais importantes artistas catarinenses, deixou registrado seu protesto histórico, para com essa omissão da Ufsc. Em seu texto, Meyer pergunta porque que a Ufsc insiste, desde os anos 60, ignorar o talento do artista Meyer Filho. Infelizmente, a atualidade do texto permanece.
E só trocar o nome de Meyer pela quase totalidade dos artistas que são igualmente solenemente ignorados. 

sábado, 8 de outubro de 2016

Mostra Individual de Rodrigo de Haro: Dos Arquétipos (o poder das imagens)

   Sábio e profético, Rodrigo de Haro proclamou, certa vez, que "a arte, o amor e a mística só se realizam plenamente mediante uma entrega total". Figura das mais singulares e emblemáticas da arte, Rodrigo soube realizar esta entrega, transformando sua própria vida numa obra de arte. 
   No silêncio e recolhimento de seu atelier, situado no alto de uma colina, ao lado de um santuário barroco, com disciplina monacal, dedica-se integralmente a lenta, apaixonada e laboriosa construção de seus manuscritos poéticos e de sua majestosa pintura. 
   Através das imagens arquetípicas do tarô e do zodíaco, aponta-nos que são essas imagens que nos revelam os mais profundos aspectos da realidade, e as mais secretas modalidades do ser. São essas imagens que podem revelar sua realidade, suas funções cosmológicas, antropológicas e psicológicas, que serviram de inspiração para Rodrigo elaborar essa série de obras, que ao celebrarem o triunfo da imaginação e da poesia, permitem conhecer melhor o homem na sua integridade. 
   Não existe miséria pior que a falta de imaginação. Um homem sem imaginação é um ser limitado, triste, medíocre e infeliz. A crescente esterilização da imaginação do mundo moderno é um dos piores males de nosso sistema. Um bom antídoto para que esse mal não nos acometa, é refletir sobre as questões que essa mostra de De Haro nos propõe. Ter imaginação é gozar de uma riqueza interna, de um fluxo ininterrupto e espontâneo de imagens, é ver o mundo em toda sua totalidade.
   Com seu estilo peculiar, Rodrigo expõe acrílicos sobre tela ou papel que destacam-se pela elegância extraordinária do desenho, contraste das vastas áreas de cores chapadas, e rigorosa bidimensionalidade cromática, obtida através de pinceladas justapostas de cores moduladas. Planas e intensamente coloridas, essas pinturas exploram com sensibilidade impar, o valor plástico fundamental e a expressividade da linha, levando-a a um verdadeiro arrebatamento linear, opulento e requintado. 
   Rodrigo sempre deu um papel de destaque à linha em seus trabalhos. Nessa série, porém, percebe-se que a mesma vai cedendo  espaço à cor, ligando-se mais visceralmente à matéria, acentuando aspectos predominantemente pictóricos.
   Uma característica de todo grande artista é a síntese formal que vai ocorrendo gradualmente através de suas diferentes fases. Rodrigo, também poeta, da mesma forma que burilou a palavra em seus textos poéticos, desossou-a e lapidou-a, sintetizou os elementos formais com que constrói suas pinturas. Suas cartas de tarô são exemplares neste sentido. Tudo que não interessa é deixado de lado. Adensando sua linguagem, captou apenas o que é essencial em cada arcano.
   Os temas místico-esotéricos, em geral, são uma cilada para artistas menores, que, sem fôlego para adentrá-los com mais profundidade, caem no esteriótipo ou na simples ilustração.
   No caso de Rodrigo, o percurso é inverso. Vivenciando profundamente cada símbolo ou imagem que utiliza, atingiu a substância mesma da vida espiritual de onde brotam essas figuras arquetípicas, transformando-as em potentes signos plásticos capazes de nos despertar para a importância primordial deste inestimável tesouro de imagens que trazemos conosco.




quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Santa Catarina – Um Estado sem Memória I

Dentre as manifestações artístico-culturais de Santa Catarina, as artes plásticas, desde Victor Meirelles, foram sempre um dos setores mais relevantes. Sendo uma das maiores economias nacionais, nosso estado deveria e poderia! dar à questão cultural a importância que merece. 
A inexistência de uma secretaria de cultura já demonstra bem o descaso com que o assunto é tratado na esfera oficial. Acoplada a outras pastas, entregue sempre a pessoas sem a mínima condição técnica de desempenhar suas funções, a cultura é sempre colocada como algo secundário e sem importância vital. 
As famigeradas alianças políticas, que servem de sustentação ao governo, leiloam a pasta que engloba a cultura entre si e tratam-na com a ineficácia de quem nada entende do assunto. Conseqüência é o descompasso cultural de Santa Catarina em relação aos estados vizinhos. 

Cais de Florianópolis de Martinho de Haro
Vejamos, por exemplo, o setor das artes visuais: Recentemente, constatei que dois jovens artistas, formados pelo curso de artes visuais da Udesc, ignoravam totalmente o nome do artista Martinho de Haro. 
Segundo eles, nunca tinham ouvido falar sobre o mesmo, muito menos sobre a sua obra. Culpa da Udesc? Dos professores, que tão entretidos em falar das teorias de Deleuze, Foucault, Derrida e outros filósofos franceses, não encontram tempo nem motivação para ao menos citar aos alunos que tivemos dentre os artistas que nos precederam o maior representante do modernismo em Santa Catarina? Na verdade, são diversos fatores que se somam para explicar essa verdadeira idiotia demonstrada por esses dois jovens. 
Um deles é a inexistência de museus que dêem  visibilidade a produção cultural catarinense atual e de outros períodos históricos. Onde é que nossos jovens podem ter contato com a obra de Martinho de Haro, Vicchietti, Meyer Filho, Elke Hering e tantos outros, que dedicaram as suas existências a construir um rico acervo que reflete os valores de uma sociedade que insiste em ignorá-los? Pela falta de uma política de valorização de nossa identidade permanecemos como eterno ‘buraco negro’ no mapa cultural do país. Os esforços para mudar este status-quo de marasmo e inércia, são todos abortados pela falta de visão e perspectiva dos responsáveis pelo poder. Onde foi parar, por exemplo, o Salão Nacional  Victor Meirelles e o Circuito Itinerante de Mostras da Visualidade Catarinense? 
Obra de Ivens Machado
Voltamos à estaca zero. Outro exemplo: Ivens Machado, nascido em Florianópolis e falecido recentemente, era considerado ao lado de Victor Meirelles e Schwanke, como um dos três artistas catarinenses mais importantes de todos os tempos. 
 Essa análise da Fundação Bienal de São Paulo, por certo nunca foi considerada por nossos secretários de “cultura”, que, certamente, nem sabem de quem se trata. Ivens, alguns anos atrás, teve uma grande mostra retrospectiva, percorrendo os principais centros culturais do país. Atualmente, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro realiza também uma grande mostra retrospectiva sua, homenageando a memória desse artista tão vital para arte contemporânea brasileira, cuja obra não foi jamais mostrada em sua terra natal pela alegação dos mesmos motivos de sempre: “- Não tem verba!”- Mas para outras coisas bastante questionáveis, nunca falta dinheiro. 
Os Linguarudos - Obra de Schwanke

Poderíamos elencar centenas de outros fatos que atestam claramente o menosprezo que existe por aqui com nossa memória cultural: Malinverni Filho, por exemplo, teve seu centenário solenemente ignorado. Que custava ao Masc ter trazido até a capital a obra desse grande intérprete de nossa paisagem serrana e editado um livro/catálogo a altura de seu trabalho? São os bens simbólicos, patrimônio imaterial, que nutrem a alma e dão sentido ao futuro. Quando é que Santa Catarina vai despertar de seu sono letárgico, sacudir esse marasmo e dar a cultura e a arte de seu povo o tratamento e a importância que merecem?

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