O movimento representado pelo
número crescente de artistas contemporâneos que vem utilizando o som em conexão
com as artes visuais, aterrissou finalmente em Florianópolis com a instalação
sonoro performática de Roberto Freitas, Marcelo Comparini e O Grivo.
Apresentada na abertura do novo
ciclo de exposições do MASC no dia 24 de
maio e repetida na noite seguinte, a proposta foi montada na claraboia do museu
e pretende ser a primeira de uma série
que incluirá artistas latino americanos.
Paralelo a Máquina Orquestra (titulo da instalação),
outro espaço do MASC mostrou aspectos da obra de Arnaldo Antunes não tão
conhecidas do público catarinense, que
são suas incursões nas artes visuais.
Juntar essas duas propostas numa mesma data foi uma decisão muito
oportuna, uma vez que ambas tem em sua gênese o som, a música e a imagem. No
caso da mostra de Antunes, é a palavra e a letra que cabem o papel de elemento plástico
predominante, e na Maquina Orquestra é o próprio som que funciona como elemento principal estruturando
e configurando o espaço.
A combinação inventiva dos sons-ruídos
que acompanham nosso dia a dia e que de certa forma o estruturam e definem, tem
sido objeto de investigações desde os manifestos futuristas do inicio do século
passado. Mais recentemente, essas questões nortearam as composições do
músico americano John Cage e nos anos
1960 serviram de base para a elaboração dos eventos sonoros do grupo Fluxus.
A partir dos anos oitenta, essa
aproximação entre o que se ouve e o
que se vê, espalhou-se pelo mundo
permeando a produção de muitos artistas dito visuais. No Brasil, a partir de 1995, o Grupo Chelpa Ferro notabilizou-se por suas
instalações sonoras mescladas a influências locais variadas.
Entre nós, o artista Roberto
Freitas já havia feito experimentações nesse campo da escultura expandida tendo
inclusive realizado uma individual no
‘Coletivo NaCasa’. Sua mudança para São Paulo aproximou-o de outros artistas
voltados para o mesmo campo de pesquisa. Desse encontro resultou a formação do grupo
que se apresenta atualmente no MASC com
a instalação sonora MAQUINA ORQUESTRA.
Quem assistiu suas apresentações ao vivo na claraboia do MASC, transformada em
novo espaço expositivo do museu, teve oportunidade de constatar o adensamento e
profundidade das pesquisas desenvolvidas por cada um dos artistas integrantes, e de participar de uma rica vivência multissensorial.
A instalação sonora exposta até o próximo dia 2 de julho, consiste num
conjunto de esculturas eletromecânicas, capazes de ler e processar dados
inscritos em uma bobina de papel vegetal perfurado, que alimentam e controlam
um sistema de esculturas sonoras, sons sintéticos, vídeos de arquivo e câmeras
ao vivo.
Moldando o som, recombinando
estruturas musicais pré-estabelecidas, ou improvisando a partir da percepção
do momento, o grupo de quatro integrantes esculpe o espaço vazio da
claraboia do MASC, construindo colunas e estruturas sonoras a partir do aparato
eletroacústico dos alto-falantes, que
difundem o som alternadamente, de modo a
criar uma variação constante do lugar da emissão dos ruídos e barulhos. Essa
variação faz com que a atenção auditiva mude de um canto para outro da sala, assim
como o olhar, e com ele todo o corpo, que acompanha de forma instintiva a variação
constante das emissões, buscando a origem e as diferenciações dos sons
produzidos a cada instante.
Essa interação entre os sentidos,
cria a medida em que a performance avança, uma nova percepção do próprio
espaço, que de ambiente mudo e vazio passa a reverberar os ruídos gerados como
se fossem o seu próprio pulsar.
A ressignificação do espaço, a
recepção das diferentes correntes sonoras que nos chegam com sua dimensão, cor,
textura, imagem, superfície, forma,
adquirem aspectos particulares que ativam
nossas memórias, revivendo e reeditando
arquivos de vivências espaciais, ambientais e afetivas.
O espaço eletroacústico provém exclusivamente de dados sonoros, e
está ligado a parâmetros de localização da fonte e de dimensão da sala, gerando
uma sensação auditiva de espacialidade.
É o sentido da escuta que dá ao
espaço sua qualidade plástica e o espaço sonoro faz parte da nossa própria
percepção de nós mesmos.
A claraboia do MASC funcionou muito bem para essa apresentação, permitindo uma percepção clara
das estruturas sonoras criadas, de suas relações espaciais com o próprio local
e do seu significado imediato.
A combinação dinâmica entre os
objetos sonoros que compõe a Orquestra Máquina, e a síntese sonora resultante
da atuação performática do grupo que operou a oito mãos os dispositivos
tecnológicos, criou no espaço aparentemente vazio da claraboia do MASC, um novo
espaço físico sensível configurando uma proposta que tem no som seu principal
elemento plástico.
A instalação Maquina Orquestra
propõe a comunicação entre homem e máquina, através da ação coordenada dos
artistas apresentadores que manipulam e operam uma parafernália de instrumentos
e geringonças sonoras. Traduzindo os códigos da partitura de papel vegetal
perfurada em formas sons e imagens compreensíveis, os leitores eletrônicos a cada
ação dos operadores da engrenagem, decodificam os sinais convertendo-os a em imagens
ou sons de diferentes texturas, frequências,
velocidades e intensidades.
O fato de a performance ocorrer
em tempo real, reforça a interpenetração entre o sistema computacional da obra
e os espectadores, permitindo que através da ação dos performers, se
estabeleça um relacionamento pautado no envolvimento mútuo, tal como ocorre na
apresentação de uma orquestra, evitando
assim a noção de controle absoluto da tecnologia, que tornaria difícil a
comunicação e o diálogo homem-máquina proposto.