quinta-feira, 31 de agosto de 2017

CLEA ESPINDOLA- SANTA CATARINA PERDE UMA DE SUAS MAIORES CERAMISTAS



Quem teve o privilégio de conviver com Cléa Espindola, não esquecerá jamais sua personalidade marcante, sincera, doce, inteligente e serena.
Clea foi sempre uma referência importantíssima não só como artista, mas como colega movida por um senso ético e profissional admiráveis. Segura de suas posições, soube sempre posicionar-se com elegância  e equilíbrio  em relação a  toda a problemática que o exercício da atividade artística traz consigo.
Em sua casa atelier, reuniram-se em momentos históricos  as principais lideranças da arte catarinense, sempre acolhidas por ela e por seu companheiro, com o espirito fraterno da perfeita anfitriã que era.

Em sua brilhante trajetória, desenvolveu uma das mais consistentes e criativas pesquisas da arte cerâmica, técnica com a qual contribuiu para o engrandecimento de nossas formas de expressão artística.
Sempre pesquisando possibilidades novas para essa arte milenar, criou diversas séries, dentre as quais se destacam  a dos sapatos cerâmicos,  com os quais ganhou um prêmio numa das primeiras versões do Salão  Nacional Victor Meirelles.
Neste Salão, sua proposta intitulada ‘Poética do Cotidiano’, consistia numa série de gigantescos sapatos construídos em terracota,  reproduzindo os mais diversos tipos de calçados,  desde as tradicionais sandálias havaianas ou tênis, até modelos mais chiques e sofisticados. A  estranheza provocada por essa insólita instalação acabou  por conquistar merecida premiação por sua impactante expressividade.

Lembro-me da sua última individual no MASC, no período em que era administrado por João Evangelista.  Nessa mostra Clea alcançou o ápice técnico e formal de suas relevantes pesquisas. Tratando a pasta cerâmica, os óxidos, esmaltações, formas e texturas, com um total domínio técnico e a mais alta expressividade, realizou uma das mais relevantes  mostras individuais dessa forma de expressão  artística  apresentadas no MASC.

As peças que compunham essa exposição destacavam-se pela síntese formal,  e por um extraordinário caráter escultórico de impressionante beleza.
As obras de Clea  Espindola, nas suas  mais diferentes fases, sempre distinguiram-se pelo acabamento técnico impecável e por uma linguagem marcantemente pessoal.
Entre uma fase e outra,  sempre retomava um dos seus temas prediletos: os calçados.
Com essa temática, realizou uma de suas última exposições, na pequena galeria do Círculo Ítalo-Brasileiro,  onde montou uma instalação composta por dezenas de  delicados sapatos femininos de terracota esmaltada, nas mais diferentes e surpreendentes composições de cores e texturas.


Os vernizes negros, brancos  ou vermelhos, os detalhes de textura de cada obra, os laçarotes, saltos, pompons, etc.,   tudo unia-se numa  féerie  de  sugestões e efeitos.
Com suas séries de sapatos, Clea compunha  crônicas poéticas do cotidiano, onde não estavam ausentes o caráter lúdico, o humor,  a ironia, o fetiche e uma sutil observação sobre o seu próprio conceito de feminilidade.

A poética do cotidiano proposta por suas séries de calçados, ora imensos e de escala surreal, ora delicados  e femininos, alguns inclusive  com aplicações de texturas inspiradas das nossas tradicionais rendas de bilro, fala muito do espírito da autora,  observadora,  inteligente, sensível,  criativa, talentosa e perspicaz.
Além da cerâmica, Clea incursionou também pela arte pública, deixando dois grandes painéis murais, fixados em edifícios da capital. Um deles, inspirados nos botões de roupa, pode ser apreciado num prédio ao lado do Beira-Mar Shopping.
Clea deixa  muita saudade, mas também  lembranças doces  e inesquecíveis, entre quem teve o privilégio  de conhecê-la e conviver com uma artista tão especial e uma colega tão adorável.



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