Quem teve o privilégio de
conviver com Cléa Espindola, não esquecerá jamais sua personalidade marcante,
sincera, doce, inteligente e serena.
Clea foi sempre uma referência
importantíssima não só como artista, mas como colega movida por um senso ético
e profissional admiráveis. Segura de suas posições, soube sempre posicionar-se
com elegância e equilíbrio em relação a
toda a problemática que o exercício da atividade artística traz consigo.
Em sua casa atelier, reuniram-se
em momentos históricos as principais
lideranças da arte catarinense, sempre acolhidas por ela e por seu companheiro,
com o espirito fraterno da perfeita anfitriã que era.
Em sua brilhante trajetória,
desenvolveu uma das mais consistentes e criativas pesquisas da arte cerâmica,
técnica com a qual contribuiu para o engrandecimento de nossas formas de expressão
artística.
Sempre pesquisando possibilidades
novas para essa arte milenar, criou diversas séries, dentre as quais se
destacam a dos sapatos cerâmicos, com os quais ganhou um prêmio numa das
primeiras versões do Salão Nacional Victor
Meirelles.
Neste Salão, sua proposta
intitulada ‘Poética do Cotidiano’, consistia numa série de gigantescos sapatos
construídos em terracota, reproduzindo os
mais diversos tipos de calçados, desde
as tradicionais sandálias havaianas ou tênis, até
modelos mais chiques e sofisticados. A estranheza
provocada por essa insólita instalação
acabou por conquistar merecida premiação
por sua impactante expressividade.
Lembro-me da sua última
individual no MASC, no período em que era administrado por João
Evangelista. Nessa mostra Clea alcançou
o ápice técnico e formal de suas relevantes pesquisas. Tratando a pasta cerâmica,
os óxidos, esmaltações, formas e
texturas, com um total domínio técnico e a mais alta expressividade, realizou uma
das mais relevantes mostras individuais
dessa forma de expressão artística apresentadas no MASC.
As peças que compunham essa exposição
destacavam-se pela síntese formal, e por um extraordinário caráter escultórico de impressionante
beleza.
As obras de Clea Espindola, nas suas mais diferentes fases, sempre distinguiram-se
pelo acabamento técnico impecável e por uma linguagem marcantemente pessoal.
Entre uma fase e outra, sempre retomava um dos seus temas prediletos:
os calçados.
Com essa temática, realizou uma
de suas última exposições, na pequena galeria do Círculo Ítalo-Brasileiro, onde montou uma instalação composta por
dezenas de delicados sapatos femininos
de terracota esmaltada, nas mais diferentes e surpreendentes composições de
cores e texturas.
Os vernizes negros, brancos ou vermelhos, os detalhes de textura de cada
obra, os laçarotes, saltos, pompons, etc., tudo unia-se numa féerie de
sugestões e efeitos.
Com suas séries de sapatos, Clea
compunha crônicas poéticas do cotidiano,
onde não estavam ausentes o caráter lúdico, o humor, a ironia, o fetiche e uma sutil observação
sobre o seu próprio conceito de feminilidade.
A poética do cotidiano proposta
por suas séries de calçados, ora imensos e de escala surreal, ora
delicados e femininos, alguns inclusive com aplicações de texturas inspiradas das
nossas tradicionais rendas de bilro, fala muito do espírito da autora, observadora, inteligente, sensível, criativa, talentosa e perspicaz.
Além da cerâmica, Clea incursionou
também pela arte pública, deixando dois grandes painéis murais, fixados em
edifícios da capital. Um deles, inspirados nos botões de roupa, pode ser
apreciado num prédio ao lado do Beira-Mar Shopping.
Clea deixa muita saudade, mas também lembranças doces e inesquecíveis, entre quem teve o
privilégio de conhecê-la e conviver com
uma artista tão especial e uma colega tão adorável.
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