quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

PLÉTICOS - ARTE COMO EXPRESSÃO DA LIBERDADE CRIADORA



fotos de Raquel Santi.

Paralelamente a antológica individual de Silvio Pléticos no MASC inaugurada no ultimo dia sete, as Oficinas do CIC estão mostrando em sua galeria uma coleção de pinturas de arte infantil executadas entre 1952 e 1959 por crianças e adolescentes entre sete e catorze anos, nos cursos de arte infantil que Pléticos ministrou na região de Istria, enquanto ainda lecionava na Europa. A intenção dessa mostra além de homenagear o mestre é ressaltar a atividade didática exercida por ele paralela a seu trabalho individual de criação.
Leitor apaixonado dos livros de Franz Cizek, artista e arte educador austríaco que aproximava o fazer artístico do ensino da arte considerando-se um mediador, provocador e catalizador que tinha a liberdade de expressão como fundamental, Cizeck que vai influenciar Herbert Read (outra grande referencia para Pléticos), acreditava que a expressão assim como as questões relativas a cada aluno deveria ser evidenciada no trabalho. Ele estimulava a forma de olhar para o mundo com curiosidade e duvida com o propósito de que a arte tivesse uma intenção política e apresentasse escolhas e opções às crianças.
Assim que chegou a capital catarinense, Pléticos foi convidado por Carlos Humberto Correa, então secretario de cultura, a ministrar cursos na recém fundada Escolinha de Arte de Florianópolis. Essa escolinha fundada em 1963 era subordinada ao MAMF onde tinha sua sede, de inicio havia uma única professora: Maria Helena Galotti, que tinha feito um estágio na Escolinha de Arte do Brasil de Augusto Rodrigues no Rio de Janeiro. Com o crescimento da escolinha foram contratados outros professores junto aos quais Pléticos trabalhou repassando sua rica experiência pois sua formação incluía além da pintura mural a arte educação,


Na individual de Pléticos no MASC, cuja curadoria nos coube, buscamos ressaltar o caráter muralista de suas obras especialmente naquelas realizadas com a técnica do esgrafito. A preocupação com a clareza da forma, com a síntese e com a espacialidade ficam bem evidentes para quem apreciar o conjunto das obras expostas. Outro aspecto que queríamos levantar em nossa curadoria, além do caráter inovador de sua pintura para a época em termos de Santa Catarina, era a importância da atuação didática de Pléticos que deu-se através dos diversos cursos e oficinas que ministrou nas mais diversas regiões do Estado e de sua passagem pela Escolinha de Arte de Florianópolis. A Escolinha teve importância fundamental para a arte educação em Santa Catarina, diversos arte educadores foram formados em suas oficinas que ampliaram-se até atingir todo o Estado. Na época em que Pléticos passou pela escolinha ainda não existia a disciplina de educação artística nos colégios, ela passou a existir somente a partir dos anos setenta. Por essa época muita gente não só no interior mas também aqui na capital, achava que a função da educação artística deveria ser ”ensinar” as crianças a pintar e desenhar. Sob influencia dos padrões néo classicos das academias essa mentalidade nefasta poderia ter sido totalmente letal não somente para a educação artística e o ensino da arte mas para os próprios princípios pedagógicos  no Estado. Não fosse a atuação inovadora das escolinhas em todo o país lideradas pela Escolinha de Arte do Brasil de Augusto Rodrigues esse retrocesso bem poderia ter acontecido.
O importante papel da Escolinha de arte do MAMF para a educação artística em Santa Catarina ainda está para ser melhor avaliado e conhecido, quando isso acontecer sem duvida a contribuição de Silvio Pléticos para a consolidação e aprimoramento desse projeto modernista será devidamente reconhecida.
Como Cizek Pléticos acreditava que as crianças e os jovens podem desenvolver seu potencial natural sem submeter-se as regras métodos e padrões impostos pelos adultos, e que se as experiências da vida forem expressas pela arte , recupera-se a capacidade criadora da criança promovendo o equilíbrio entre o pensar, o sentir e o perceber da vida na criança.
Criadas na década de cinquenta do século passado, portanto em plena vigência do modernismo, as pinturas das crianças e jovens da Istria daquele período dialogam com a visualidade modernista da época deixando-nos um belo e emocionante registro visual de suas atividades criativas orientadas pelo querido mestre que é hoje também precioso patrimônio dos catarinenses que o receberam e acolheram.





quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

NAMBLÁ XOKLENG - OPORTUNA REFLEXÃO


Monica Nador e Namblá Gakran, no interior da claraboia. Foto de Márcio H. Martins

As relações que se estabelecem de imediato entre o observador e a intervenção NAMBLÁ XOKLENG de MONICA NADOR & JAMAC na Claraboia do MASC, ao mesmo tempo em que propiciam uma percepção nova da arquitetura do espaço montado pela artista e sua equipe, criam com o impacto da cor negra que reveste as paredes, uma atmosfera solene de reflexão e recolhimento. Observando melhor a trama gráfica das superfícies pintadas, ficam visíveis as formas negras das pinturas corporais dos Xokleng. Aplicadas sobre um fundo de pinceladas gestuais entrelaçadas, cujo efeito gráfico sugere vagamente as tramas dos trançados em palha dos povos da floresta, as pinturas em forma de módulos repetem-se por toda a extensão das paredes, definindo o espaço e conferindo grande unidade ao conjunto. O impacto visual dessa proposta gera fluxos de energia que transformam a claraboia numa caixa de ressonância de vozes ancestrais dos XOKLENG habitantes seculares da Mata Atlântica. O protesto e a indignação da artista contra o genocídio das nações indígenas está muito bem expresso nesta obra, que sem retórica nem discursos denuncia o crime infame cometido no último dia primeiro do ano contra o professor formado pela UFSC Marconde Namblá da Terra Indígena La Klãna de José Boiteux no vale do Itajaí. Esse professor barbaramente assassinado era um dos raros estudiosos de sua língua natal e estava trabalhando num projeto de edição de um dicionário xokleng. A indiferença e alienação a respeito das questões indígenas e dos povos excluídos de maneira geral, fica patente em casos como esse que passam quase despercebidos pela mídia e pelo público acostumado a ignorar o que considera que não lhe diz respeito.

Marconde Namblá - o lider Xokleng assassinado no dia 1 de janeiro de 2018

Muita gente nem sabe que existem comunidades indígenas em nosso Estado e muito menos que os Xoklengs  e os Kaingang fazem parte de nossa população.
Espoliados de todos os seus direitos, humilhados e desrespeitados, esses cidadãos entregues a sua própria sorte e considerados de segunda classe pelo sistema, vão sendo cada dia mais vilipendiados e aniquilados por uma sociedade que insiste em ignora-los. Habitantes seculares da mata atlântica ainda não tiveram suas terras delimitadas, o processo jurídico que lhes daria o direito de ocuparem uma terra que sempre foi sua arrasta-se há décadas. Apesar de serem os donos legítimos da terra são vistos como intrusos, pois todo um processo que considera o vale onde habitam como “o vale europeu” acha que aquela região não é “terra de índio”, e o etnocídio continua...
A artista Monica Nador ao deslocar-se do seu centro de atuação para Santa Catarina o faz numa ocasião bastante oportuna levantando uma questão trágica e gravíssima sobre a qual a sociedade não pode se omitir nem ignorar.
Monica nos anos oitenta destacou-se por suas telas de grande formato onde se fundiam pinceladas soltas a superfícies profundamente trabalhadas, a partir da década de noventa passou a desenvolver um trabalho em comunidades, utilizando como suporte de suas pinturas não mais as tradicionais telas mas a própria parede das casas.
Passando a residir nos próprios locais onde desenvolve seu trabalho, integrou-se no dia a dia dessas comunidades aprofundando suas relações com os moradores, com os quais passou a criar suas pinturas murais a partir de motivos decorativos  encontrados no próprio local.
Utilizando estêncil de acetato recortado com as formas e grafismos escolhidos, a pintura é executada sobre as paredes das próprias casas transformando-as e acrescentando-lhes novos valore s e significados.



Essas intervenções além do seu caráter estético possuem um cunho político social de grande relevância e potencia transformadora.
O processo de execução da montagem feita na Clarabóia do MASC foi praticamente o mesmo.  Inicialmente a equipe da JAMAC formada por moradores da comunidade do Jardim Miriam localizado nos subúrbios da capital paulista, revestiu  as paredes da claraboia com papel reproduzindo pinceladas gestuais em preto e branco. Sobre essa superfície foram aplicadas com estêncil de acetato signos geométricos das pinturas corporais Xokleng sempre utilizando a cor preta. O resultado final é imponente tal a riqueza visual do entrecruzar das formas negras sob cujas tramas se percebe a luz proveniente do fundo branco do papel.
A atmosfera do ambiente com seu caráter algo litúrgico aponta para antigos rituais e para a grandiosidade e beleza de uma cultura trucidada por atos de brutal violência, exemplificados pelo assassinato cruel de uma de suas principais lideranças. Por motivos torpes Marcondes Namblá foi morto a pauladas de forma brutal e cruel
O silencio de todos nós torna-nos cumplices hipócritas deste e de tantos outros assassinatos que vem acontecendo a cada dia de jovens de comunidades excluídas sem que nada façamos.
Sem abrir mão da sua linguagem pessoal Monica Nador através das suas propostas e intervenções demonstra como é possível criar situações e estratégias para que a arte contemporânea possa inserir-se no dia a dia das pessoas comuns exercendo com  propriedade seu papel político e social.
A Nação Xokleng no silencio e no vazio do interior da intervenção NAMBÁ XOKLENG nos observa, nos acorda e nos incita a agir não só defendendo a beleza da sua cultura mas transformando-nos em defensores de seus direitos e da dignidade do que ainda lhe resta.
Durante a abertura da mostra Namblá Grakran membro da comunidade Xokleng falou sobre a importância de ser preservada a cultura e a língua de seu povo da qual ele é também professor.
No próximo dia dezenove de abril a instalação NAMBLÁ XOKLENG será palco de uma cerimonia ritual da nação XOKLENG em memória de seu líder assassinado.



sábado, 3 de fevereiro de 2018

PLÉTICOS NO MASC – UM TOQUE DE MESTRE



painel da coleção do clube doze de agosto

Finalmente após tentativas infrutíferas de gestões anteriores, o MASC sob a gestão de Josué Matos e Edna de Marco, concretizara no próximo dia sete de fevereiro a tão aguardada individual de Silvio Pléticos.
Pela importância de sua obra e pelo que acrescentou ao fazer artístico em Santa Catarina trata-se de uma homenagem mais do que merecida.
Pela primeira vez serão apresentados exclusivamente os trabalhos executados com a técnica do esgrafiado. Praticamente todas as demais exposições de Pléticos misturaram as tradicionais pinturas figurativas pós-cubistas executadas com acrílico sobre tela, com os trabalhos esgrafitados de caráter mais analítico e conceitual.
O público poderá apreciar nesse conjunto de trinta e poucas obras selecionadas no atelier do artista e em coleções particulares, o nível atingido pelo artista nessa técnica que acabou sendo uma de suas marcas mais pessoais e diferenciadas.
Como afirmamos diversas vezes a obra de Pléticos renovou a pintura praticada em Santa Catarina, propondo um novo espaço pictórico em cuja síntese fundem-se as principais vertentes da arte da primeira metade do século vinte, tais como as componentes racionais do cubismo, o dramatismo expressionista e as imagens oníricas do surrealismo.
Pléticos nasceu em Pula em 1924, iniciou os estudos da pintura em 1940 em Milão com Afonso Guglielmi, diplomando-se mais tarde em Arte Aplicada em Zagreb onde também especializou-se em pintura mural. Por um período lecionou nas escolas da Istria, trabalhando a arte infantil com crianças e adolescentes, são deste período as cinquenta obras de arte infantil que serão mostradas ao público paralelamente a individual do MASC no espaço das Oficinas do CIC. Pléticos logo ao chegar a Santa Catarina em meados dos anos sessenta, criou nos fundos do MASC a primeira oficina de artes do Estado. Com seu entusiasmo pela questão da arte infantil, reciclou também a Escolinha de Artes que pertencia ao MASC, sob sua orientação a escolinha de Florianópolis obteve varias premiações sendo considerada por Augusto Rodrigues como uma das melhores escolinhas de arte do país.
Foi sob a influência de Pléticos e de sua paixão pela arte mural, que nos anos em que presidimos a ACAP trouxemos para a capital do Estado a lei municipal de Arte Pública, hoje uma realidade com um acervo de mais de trezentas obras de arte espalhadas pela cidade e considerada também paradigma nacional pela excelência da sua implantação e resultados.
Infelizmente por uma série de fatores, a cidade e o estado não souberam aproveitar a experiência muralista de Pléticos. O público que visitar a exposição "Pléticos - Espaço Geometria e Construção" poderá ter uma ideia da capacidade muralista do autor através dos dois grandes painéis gentilmente cedidos pelo Clube Doze que integram a mostra.

Painel Clube Doze

Esses painéis necessitaram de um trabalho de higienização e restauro que foi possível graças ao patrocínio do colecionador Marcelo Collaço, que além desse apoio emprestou também nove obras de Pléticos dos anos setenta, considerado um dos mais relevantes da sua produção.
 Nós todos sabemos das dificuldades que as instituições culturais enfrentam num pais onde a educação e a cultura são sempre deixadas em segundo plano, assim a única possibilidade para viabilizar projetos mais abrangentes é através da participação de empresários e cidadãos que tenham uma consciência cultural plena a respeito do seu papel na sociedade. Além de Marcelo Colaço a Galeria Helena Fretta também colaborou para a recuperação dos painéis que estão sendo mostrados ao público pela primeira vez fora das dependências do Clube Doze de Agosto.
Pléticos antes de residir em Santa Catarina lecionou na Faculdade de Artes Plásticas de Ribeirão Preto. Realizou coletivas e mostras individuais em Pula, Rovigno, Zagreb, Grado, Trieste, Nova Yorque, Rio de Janeiro, participou da Bienal de São Paulo e foi primeiro premio na mostra Istria Nobilissima em 1975.
O naturalismo humanista de Pléticos que os lombardos conheceram no inicio de sua carreira, transformou-se nos trágicos anos da guerra em expressionismo, que nos anos cinquenta funde-se a tendência racionalista do pós-cubismo. Apaixonado pela obra de Cezanne, Braque e Picasso, Pléticos ao mudar-se para o Brasil deixa-se impregnar pelo fascínio de um mundo para ele exótico, misterioso e insondável. Passam a emergir em suas obras metamórficas orgânicas e inquietantes sombras de um surrealismo solidamente apoiado em sua experiência sensível.

As técnicas mistas dos esgrafitos expostos nesta mostra evidenciam a maneira particular como o artista conseguiu sintetizar e fundir de forma coerente impactante e expressiva, componentes racionais do cubismo e do construtivismo a vertentes dramáticas do expressionismo ou oníricas do surrealismo.









Obras do acervo Marcelo Collaço, que integram a mostra do MASC - Pléticos - geometria espaço e construção