Monica Nador e Namblá Gakran, no interior da claraboia. Foto de Márcio H. Martins
As relações que se estabelecem de imediato entre o
observador e a intervenção NAMBLÁ XOKLENG de MONICA NADOR & JAMAC na Claraboia
do MASC, ao mesmo tempo em que propiciam uma percepção nova da arquitetura do
espaço montado pela artista e sua equipe, criam com o impacto da cor negra que
reveste as paredes, uma atmosfera solene de reflexão e recolhimento. Observando
melhor a trama gráfica das superfícies pintadas, ficam visíveis as formas negras
das pinturas corporais dos Xokleng. Aplicadas sobre um fundo de pinceladas
gestuais entrelaçadas, cujo efeito gráfico sugere vagamente as tramas dos
trançados em palha dos povos da floresta, as pinturas em forma de módulos
repetem-se por toda a extensão das paredes, definindo o espaço e conferindo
grande unidade ao conjunto. O impacto visual dessa proposta gera fluxos de
energia que transformam a claraboia numa caixa de ressonância de vozes
ancestrais dos XOKLENG habitantes seculares da Mata Atlântica. O protesto e a
indignação da artista contra o genocídio das nações indígenas está muito bem
expresso nesta obra, que sem retórica nem discursos denuncia o crime infame
cometido no último dia primeiro do ano contra o professor formado pela UFSC Marconde
Namblá da Terra Indígena La Klãna de José Boiteux no vale do Itajaí. Esse
professor barbaramente assassinado era um dos raros estudiosos de sua língua
natal e estava trabalhando num projeto de edição de um dicionário xokleng. A
indiferença e alienação a respeito das questões indígenas e dos povos excluídos
de maneira geral, fica patente em casos como esse que passam quase
despercebidos pela mídia e pelo público acostumado a ignorar o que considera
que não lhe diz respeito.
Marconde Namblá - o lider Xokleng assassinado no dia 1 de janeiro de 2018
Muita gente nem sabe que existem comunidades indígenas em
nosso Estado e muito menos que os Xoklengs
e os Kaingang fazem parte de nossa população.
Espoliados de todos os seus direitos, humilhados e desrespeitados,
esses cidadãos entregues a sua própria sorte e considerados de segunda classe pelo
sistema, vão sendo cada dia mais vilipendiados e aniquilados por uma sociedade
que insiste em ignora-los. Habitantes seculares da mata atlântica ainda não
tiveram suas terras delimitadas, o processo jurídico que lhes daria o direito
de ocuparem uma terra que sempre foi sua arrasta-se há décadas. Apesar de serem
os donos legítimos da terra são vistos como intrusos, pois todo um processo que
considera o vale onde habitam como “o vale europeu” acha que aquela região não
é “terra de índio”, e o etnocídio continua...
A artista Monica Nador ao deslocar-se do seu centro de
atuação para Santa Catarina o faz numa ocasião bastante oportuna levantando uma
questão trágica e gravíssima sobre a qual a sociedade não pode se omitir nem
ignorar.
Monica nos anos oitenta destacou-se por suas telas de grande
formato onde se fundiam pinceladas soltas a superfícies profundamente
trabalhadas, a partir da década de noventa passou a desenvolver um trabalho em
comunidades, utilizando como suporte de suas pinturas não mais as tradicionais
telas mas a própria parede das casas.
Passando a residir nos próprios locais onde desenvolve seu
trabalho, integrou-se no dia a dia dessas comunidades aprofundando suas
relações com os moradores, com os quais passou a criar suas pinturas murais a
partir de motivos decorativos
encontrados no próprio local.
Utilizando estêncil de acetato recortado com as formas e
grafismos escolhidos, a pintura é executada sobre as paredes das próprias casas
transformando-as e acrescentando-lhes novos valore s e significados.
Essas intervenções além do seu caráter estético possuem um cunho
político social de grande relevância e potencia transformadora.
O processo de execução da montagem feita na Clarabóia do
MASC foi praticamente o mesmo. Inicialmente
a equipe da JAMAC formada por moradores da comunidade do Jardim Miriam
localizado nos subúrbios da capital paulista, revestiu as paredes da claraboia com papel reproduzindo
pinceladas gestuais em preto e branco. Sobre essa superfície foram aplicadas
com estêncil de acetato signos geométricos das pinturas corporais Xokleng sempre
utilizando a cor preta. O resultado final é imponente tal a riqueza visual do
entrecruzar das formas negras sob cujas tramas se percebe a luz proveniente do
fundo branco do papel.
A atmosfera do ambiente com seu caráter algo litúrgico
aponta para antigos rituais e para a grandiosidade e beleza de uma cultura trucidada
por atos de brutal violência, exemplificados pelo assassinato cruel de uma de
suas principais lideranças. Por motivos torpes Marcondes Namblá foi morto a
pauladas de forma brutal e cruel
O silencio de todos nós torna-nos cumplices hipócritas deste
e de tantos outros assassinatos que vem acontecendo a cada dia de jovens de
comunidades excluídas sem que nada façamos.
Sem abrir mão da sua linguagem pessoal Monica Nador através
das suas propostas e intervenções demonstra como é possível criar situações e
estratégias para que a arte contemporânea possa inserir-se no dia a dia das pessoas
comuns exercendo com propriedade seu papel
político e social.
A Nação Xokleng no silencio e no vazio do interior da intervenção
NAMBÁ XOKLENG nos observa, nos acorda e nos incita a agir não só defendendo a
beleza da sua cultura mas transformando-nos em defensores de seus direitos e da
dignidade do que ainda lhe resta.
Durante a abertura da mostra Namblá Grakran membro da
comunidade Xokleng falou sobre a importância de ser preservada a cultura e a
língua de seu povo da qual ele é também professor.
No próximo dia dezenove de abril a instalação NAMBLÁ XOKLENG
será palco de uma cerimonia ritual da nação XOKLENG em memória de seu líder
assassinado.
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