quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

NAMBLÁ XOKLENG - OPORTUNA REFLEXÃO


Monica Nador e Namblá Gakran, no interior da claraboia. Foto de Márcio H. Martins

As relações que se estabelecem de imediato entre o observador e a intervenção NAMBLÁ XOKLENG de MONICA NADOR & JAMAC na Claraboia do MASC, ao mesmo tempo em que propiciam uma percepção nova da arquitetura do espaço montado pela artista e sua equipe, criam com o impacto da cor negra que reveste as paredes, uma atmosfera solene de reflexão e recolhimento. Observando melhor a trama gráfica das superfícies pintadas, ficam visíveis as formas negras das pinturas corporais dos Xokleng. Aplicadas sobre um fundo de pinceladas gestuais entrelaçadas, cujo efeito gráfico sugere vagamente as tramas dos trançados em palha dos povos da floresta, as pinturas em forma de módulos repetem-se por toda a extensão das paredes, definindo o espaço e conferindo grande unidade ao conjunto. O impacto visual dessa proposta gera fluxos de energia que transformam a claraboia numa caixa de ressonância de vozes ancestrais dos XOKLENG habitantes seculares da Mata Atlântica. O protesto e a indignação da artista contra o genocídio das nações indígenas está muito bem expresso nesta obra, que sem retórica nem discursos denuncia o crime infame cometido no último dia primeiro do ano contra o professor formado pela UFSC Marconde Namblá da Terra Indígena La Klãna de José Boiteux no vale do Itajaí. Esse professor barbaramente assassinado era um dos raros estudiosos de sua língua natal e estava trabalhando num projeto de edição de um dicionário xokleng. A indiferença e alienação a respeito das questões indígenas e dos povos excluídos de maneira geral, fica patente em casos como esse que passam quase despercebidos pela mídia e pelo público acostumado a ignorar o que considera que não lhe diz respeito.

Marconde Namblá - o lider Xokleng assassinado no dia 1 de janeiro de 2018

Muita gente nem sabe que existem comunidades indígenas em nosso Estado e muito menos que os Xoklengs  e os Kaingang fazem parte de nossa população.
Espoliados de todos os seus direitos, humilhados e desrespeitados, esses cidadãos entregues a sua própria sorte e considerados de segunda classe pelo sistema, vão sendo cada dia mais vilipendiados e aniquilados por uma sociedade que insiste em ignora-los. Habitantes seculares da mata atlântica ainda não tiveram suas terras delimitadas, o processo jurídico que lhes daria o direito de ocuparem uma terra que sempre foi sua arrasta-se há décadas. Apesar de serem os donos legítimos da terra são vistos como intrusos, pois todo um processo que considera o vale onde habitam como “o vale europeu” acha que aquela região não é “terra de índio”, e o etnocídio continua...
A artista Monica Nador ao deslocar-se do seu centro de atuação para Santa Catarina o faz numa ocasião bastante oportuna levantando uma questão trágica e gravíssima sobre a qual a sociedade não pode se omitir nem ignorar.
Monica nos anos oitenta destacou-se por suas telas de grande formato onde se fundiam pinceladas soltas a superfícies profundamente trabalhadas, a partir da década de noventa passou a desenvolver um trabalho em comunidades, utilizando como suporte de suas pinturas não mais as tradicionais telas mas a própria parede das casas.
Passando a residir nos próprios locais onde desenvolve seu trabalho, integrou-se no dia a dia dessas comunidades aprofundando suas relações com os moradores, com os quais passou a criar suas pinturas murais a partir de motivos decorativos  encontrados no próprio local.
Utilizando estêncil de acetato recortado com as formas e grafismos escolhidos, a pintura é executada sobre as paredes das próprias casas transformando-as e acrescentando-lhes novos valore s e significados.



Essas intervenções além do seu caráter estético possuem um cunho político social de grande relevância e potencia transformadora.
O processo de execução da montagem feita na Clarabóia do MASC foi praticamente o mesmo.  Inicialmente a equipe da JAMAC formada por moradores da comunidade do Jardim Miriam localizado nos subúrbios da capital paulista, revestiu  as paredes da claraboia com papel reproduzindo pinceladas gestuais em preto e branco. Sobre essa superfície foram aplicadas com estêncil de acetato signos geométricos das pinturas corporais Xokleng sempre utilizando a cor preta. O resultado final é imponente tal a riqueza visual do entrecruzar das formas negras sob cujas tramas se percebe a luz proveniente do fundo branco do papel.
A atmosfera do ambiente com seu caráter algo litúrgico aponta para antigos rituais e para a grandiosidade e beleza de uma cultura trucidada por atos de brutal violência, exemplificados pelo assassinato cruel de uma de suas principais lideranças. Por motivos torpes Marcondes Namblá foi morto a pauladas de forma brutal e cruel
O silencio de todos nós torna-nos cumplices hipócritas deste e de tantos outros assassinatos que vem acontecendo a cada dia de jovens de comunidades excluídas sem que nada façamos.
Sem abrir mão da sua linguagem pessoal Monica Nador através das suas propostas e intervenções demonstra como é possível criar situações e estratégias para que a arte contemporânea possa inserir-se no dia a dia das pessoas comuns exercendo com  propriedade seu papel político e social.
A Nação Xokleng no silencio e no vazio do interior da intervenção NAMBÁ XOKLENG nos observa, nos acorda e nos incita a agir não só defendendo a beleza da sua cultura mas transformando-nos em defensores de seus direitos e da dignidade do que ainda lhe resta.
Durante a abertura da mostra Namblá Grakran membro da comunidade Xokleng falou sobre a importância de ser preservada a cultura e a língua de seu povo da qual ele é também professor.
No próximo dia dezenove de abril a instalação NAMBLÁ XOKLENG será palco de uma cerimonia ritual da nação XOKLENG em memória de seu líder assassinado.



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