Cerca de um ano atrás, a APLASC enviou ao
governador do Estado um documento onde manifestava sua preocupação com os
destinos do MASC. Recebidos pelo então secretário de turismo e cultura,
colocamos a necessidade de que o administrador do Museu de Arte de Santa Catarina, pelo fato de não
existir no quadro funcional desta entidade a função de curador ou diretor de
arte, fosse alguém capaz de exercer estas funções múltiplas e não apenas um
gestor. Portanto, o nome indicado para ‘administrador’ teria que ser
necessariamente alguém tecnicamente capacitado para exercer um cargo de tão vital importância para as
artes visuais catarinenses. No caso do
MASC, assim como de outras entidades congêneres, não se trata simplesmente de
nomear um gestor qualquer, mas sim de
ter o bom senso e responsabilidade de
escolher um nome capacitado, com formação e atuação na área e que
tenha o aval da classe artística.
O MASC, pela
seriedade e nível de sua atuação, tem sido historicamente o principal parâmetro
para a arte catarinense. É ele que sinaliza, tanto para os jovens como para o
público em geral, aquilo que existe de
mais relevante em nossa visualidade. Num depoimento que integra a publicação
‘Memórias de um Museu’, o próprio
crítico Nelson Aguilar, que já foi curador da ‘Bienal de São Paulo’,
afirma que “..o MASC é o nosso Cabo Canaveral, é ele que mostra para nós aqui
de São Paulo o que está sendo feito de mais significativo lá em Santa
Catarina”.
Como a própria
história do MASC, construída através do esforço de gerações de abnegados comprova, estamos diante de uma instituição de reconhecimento
nacional que, pela sua importância, não merece ser tratada com tanto menosprezo
pelo poder público, que se recusa a
ouvir a voz da classe artística catarinense, que já se pronunciou a respeito
através de suas principais
representações, sem que nada fosse feito.
E o que
temíamos aconteceu...:
Nesse período
lamentável, em que o MASC permaneceu a deriva, sem curador, e o que é ainda
mais grave, sem sequer um conselho consultivo atuante, o MASC foi gradualmente perdendo sua capacidade de
exercer plenamente suas funções básicas. Sem uma política de atuação
consistente, o MASC transformou-se numa simples galeria de arte que intercala
mostras sem um fio condutor que as
explique. Desapareceram, sem deixar rastro, as itinerantes que davam visibilidade
a produção catarinense, o ‘Salão Victor Meirelles’, que alcançou renome
nacional e foi simplesmente ignorado por
uma gestão desastrosa da política
cultural, que feriu de morte a arte catarinense cada vez mais desestimulada e
entregue à própria sorte. Mas apesar de tudo, o MASC, mesmo aos ‘trancos e
barrancos’, sem apoio, e atrelado a diretoria de artes da FCC (que nada faz a não ser pronunciar as
mesmas desculpas de sempre), ainda mantinha uma certa dignidade, observando
determinações já acordadas em gestões
anteriores, de submeter ao conselho consultivo qualquer proposta
apresentada no sentido de utilização do espaço expositivo do museu. É
absolutamente inconcebível em qualquer
museu civilizado do mundo que não exista a figura de um curador e de um
conselho consultivo. MAS AQUI NESSA TERRA DE NINGUÉM, TUDO PODE. Não é de hoje
que não se dá a mínima para a arte e a
cultura catarinense, mas nos últimos anos a coisa chegou ao paroxismo, parece até
uma provocação e um deboche! Os políticos
não estão ‘nem aí’ para nada! Muito menos para com as questões culturais. Ficam
até tranquilos em relação a isso, pois
alegam que cultura não dá voto. Pode até não dar, mas que tira, tira!, e muito
mais do que pensam. Afinal, os intelectuais e os artistas estão entre os
principais formadores de opinião, logo...
Mas vamos ao
que interessa:
Conforme
dissemos acima, o que temíamos aconteceu, e o desastre é tal que colocará por
terra décadas e décadas de trabalho e dedicação de gerações de artistas e
intelectuais, que desde a criação do
MASC nos anos quarenta pelos integrantes do Grupo Sul, se posicionaram
corajosamente contra a mediocridade,
a breguice, o marasmo e o atraso
cultural provincianos.
Mais de meio
século depois, tudo volta a estaca zero, o MASC
será melancolicamente sepultado na data do seu próprio aniversário, ao
som de um Réquiem bizarro e grotesco.
Explico-me:
Fomos procurados, há uns meses atrás, por uma artista que queria que escrevêssemos o texto do catálogo para uma mostra que
ocuparia todo o espaço do MASC.
Perguntamos se a proposta tinha passado pelo conselho consultivo do
museu. A artista achava que sim, pois já
tinha obtido o aval do administrador, e é aí que começa a tragédia, pois nem
existe mais o tal conselho consultivo.
Sem pé nem
cabeça, mal alinhavada, e de uma pobreza conceitual
constrangedora, a proposta que nos foi apresentada é o próprio ‘Samba do Crioulo Doido’, pretensiosa e totalmente equivocada. Mistura num mesmo
espaço, uma profusão de elementos disparatados
que dariam no mínimo um macabro parque temático. O resultado
final lembra uma daquelas amadorísticas
feiras de ciência de colégios.
Seria
fastidioso relatar detalhe por detalhe do projeto, mas vamos tentar
resumir...
A grande opereta tragicômica, começa
com uma procissão onde a autora rodeada de um grupo de criancinhas recobertas
de barbotina, “adentra (sic) o espaço expositivo recoberto de bolas azuis e
brancas, que se espalharão pelo teto e pelo chão do CIC, ao som de uma
respiração ‘ofegante’”. Após essa entrada triunfal, “as criancinhas desaparecerão discretamente”. – Sinceramente...
Mas a coisa
não para por aí, pois isso é só o começo. Na sequência, haverá um tapete de carvão
e gravetos que conduzirá ao local onde quarenta artistas pintarão cada qual
suas árvores, que posteriormente serão
transformadas numa floresta flamejante, recobertas com uma tinta “misteriosa
sugerindo chamas”.
O
entretenimento será completado por uma série de selfies, transmitidos on-line para uma sala, onde o público poderá assistir
a frutificação das arvores através das selfies, onde os artistas exercerão sua ”criatividade e seu gênio”. NOSSA!!!
Um Totem
gigante de papel, assustadores cavaleiros do apocalipse com rabos de cerâmica
confeccionados por ceramistas que “abrilhantarão” o evento, dão sequência ao
circo burlesco que tem seu ponto culminante no ”SANTUÁRIO”...
Preparem-se: Em
altares de vidro, fragmentos de pele humana (isso mesmo!), provenientes de
cirurgias plásticas estarão expostas,
rodeando um grande espelho central. No chão, uma mistura desconexa de
frases que incluem de trechos da carta aos Gálatas de São Paulo a frases da
própria autora.
Tem mais ainda, numa sala
estarão misturadas fotos de tumores cancerígenos obtidos numa clínica que trata
de câncer de pele, misturadas à fotos da pedra
sobre a qual se assenta a ilha de Santa Catarina.
Haverá também outras “surpresas”,
tais como perfumes, alegorias ao micro e macro cosmos, e desenhos, um deles, executado nas próprias paredes do
MASC, representa uma árvore opulenta,
cujo confuso emaranhado gráfico é uma
clara indicação de que o mau gosto começa pelo excesso.
A instalação e
a performance são linguagens que necessitam de um grande domínio por parte do
artista para poderem alcançar seus
objetivos. Quem não está habilitado pelo conhecimento, pelo talento e pela
prática acaba caindo na gratuidade ou mesmo no ridículo.
Uma instalação
não é uma vitrine, uma cenografia, nem muito menos um parque temático. As imagens e metáforas utilizadas pela arte não devem nem podem ser explícitas, seu recado é
dado através da ambiguidade e da capacidade criadora do artista, cuja função
jamais deve ser óbvia, didática ou edificante.
Falamos sobre
toda essa problemática com a autora, mas
foi inútil. Ela dirigiu-se a atual direção da Fundação Cultural, que impôs a proposta ao MASC
pelo simples fato de a mesma já ter patrocínio garantido e de o Museu de Arte estar sem
recursos para fazer absolutamente nada.
Não é desculpa! Poder-se-ia, de forma muito mais digna e não comprometedora,
mostrar por exemplo o acervo de obras tridimensionais do MASC, proposta que
aliás fizemos ao atual administrador, que a viu com bons olhos, mas teve que se
curvar a “instâncias superiores”.
Um detalhe é
que a mostra que estamos questionando não tinha até o momento em que nos foi
apresentada nem ao menos um curador, e mais grave, para tentar
obter nossa adesão foi usado o
nome de uma colega também crítica, que segundo a autora teria indicado os nomes
dos quarenta artistas que pintarão a ‘floresta flamejante’ e escreveria o texto
de apresentação da mostra.
Felizmente essa colega, que vem desenvolvendo um
trabalho sério e consistente em prol da
arte catarinense, informou-nos que não é verdadeira a versão de que seu nome estaria fazendo parte deste evento
equivocado, que no intuito de comemorar o aniversário do MASC, compromete toda
uma reputação conquistada pela atuação brilhante de nossos principais
criadores, e de intelectuais do porte de um Carlos Humberto Correia, Harry
Laus, José Silveira D’Ávila e tantos
outros que tudo fizeram para conferir ao MASC a credibilidade que possui hoje,
e que infelizmente encontra-se
fortemente ameaçada pela falta de discernimento dos atuais gestores.
O pior é que
agora provavelmente aparecerá uma
enxurrada de propostas desqualificadas, do mesmo teor ou até piores, pois o que importa pelo visto é apenas que elas
já tenham patrocínio garantido. A porteira, portanto, está aberta... - APROVEITEM!
Se a FCC não respeitar o fato de que as mostras do
MASC tem que ter obrigatoriamente como
premissa básica o aval do conselho consultivo,
estará decretada a falência dessa instituição que está entre as mais respeitadas do Estado.
É necessário
que se recrie imediatamente essa comissão com nomes escolhidos pelo seu preparo
técnico, atuação profissional, formação intelectual e credibilidade junto à
classe artística catarinense. É de todo
inconcebível que passado mais de um ano isso ainda não tenha sido feito. Os fatos comprovam que, sem
um timoneiro adequado, qualquer embarcação naufraga e sucumbe no mar da
mediocridade reinante, e é exatamente isso que ocorrerá com o MASC, se a classe não pressionar a FCC para que a
mesma respeite e prestigie de fato
nosso mais importante museu de arte.
Esquecemo-nos
de dizer, o” grand finale” da exposição se dá com a frase ‘O silêncio tem um
silvo’. Escrita em maiúsculas sobre as
paredes do MASC, não consegue esconder, e apenas explicita e enfatiza, em sua pretensão, o seu vazio conceitual.
Sinceramente, o
MASC poderia ser poupado deste pastiche. Mas tudo é possível em se tratando do
menosprezo à arte e à cultura aqui nesta SUCUPIRA DO SUL.