quinta-feira, 9 de março de 2017

Morte Anunciada - O melancólico funeral do MASC



Cerca de um ano atrás, a APLASC enviou ao governador do Estado um documento onde manifestava sua preocupação com os destinos do MASC. Recebidos pelo então secretário de turismo e cultura, colocamos a necessidade de que o administrador do Museu de Arte de Santa Catarina, pelo fato de não existir no quadro funcional desta entidade a função de curador ou diretor de arte, fosse alguém capaz de exercer estas funções múltiplas e não apenas um gestor. Portanto, o nome indicado para ‘administrador’ teria que ser necessariamente alguém tecnicamente capacitado para exercer  um cargo de tão vital importância para as artes visuais catarinenses.  No caso do MASC, assim como de outras entidades congêneres, não se trata simplesmente de nomear um  gestor qualquer, mas sim de ter o bom senso e responsabilidade de  escolher um nome capacitado, com formação e atuação na área e que tenha o aval da classe artística.
O MASC, pela seriedade e nível de sua atuação, tem sido historicamente o principal parâmetro para a arte catarinense. É ele que sinaliza, tanto para os jovens como para o público em  geral, aquilo que existe de mais relevante em nossa visualidade. Num depoimento que integra a publicação ‘Memórias de um Museu’, o próprio  crítico Nelson Aguilar, que já foi curador da ‘Bienal de São Paulo’, afirma que “..o MASC é o nosso Cabo Canaveral, é ele que mostra para nós aqui de São Paulo o que está sendo feito de mais significativo lá em Santa Catarina”.
Como a própria história do MASC, construída através do esforço de gerações de abnegados  comprova, estamos  diante de uma instituição de reconhecimento nacional que, pela sua importância, não merece ser tratada com tanto menosprezo pelo poder público, que  se recusa a ouvir a voz da classe artística catarinense, que já se pronunciou a respeito através de suas principais  representações, sem que nada fosse feito.
E o que temíamos aconteceu...:
Nesse período lamentável, em que o MASC permaneceu a deriva, sem curador, e o que é ainda mais grave, sem sequer um conselho consultivo atuante, o MASC  foi gradualmente perdendo sua capacidade de exercer plenamente suas funções básicas. Sem uma política de atuação consistente, o MASC transformou-se numa simples galeria de arte que intercala mostras  sem um fio condutor que as explique. Desapareceram, sem deixar rastro, as itinerantes que davam visibilidade a produção catarinense, o ‘Salão Victor Meirelles’, que alcançou renome nacional e foi  simplesmente ignorado por uma gestão desastrosa  da política cultural, que feriu de morte a arte catarinense cada vez mais desestimulada e entregue à própria sorte. Mas apesar de tudo, o MASC, mesmo aos ‘trancos e barrancos’, sem apoio, e  atrelado a  diretoria de artes   da FCC (que nada faz a não ser pronunciar as mesmas desculpas de sempre), ainda mantinha uma certa dignidade, observando determinações já acordadas em gestões  anteriores, de submeter ao conselho consultivo qualquer proposta apresentada no sentido de utilização do espaço expositivo do museu. É absolutamente inconcebível em qualquer  museu civilizado do mundo que não exista a figura de um curador e de um conselho consultivo. MAS AQUI NESSA TERRA DE NINGUÉM, TUDO PODE. Não é de hoje que não se dá  a mínima para a arte e a cultura catarinense, mas nos últimos anos a coisa chegou ao paroxismo, parece até uma provocação  e um deboche! Os políticos não estão ‘nem aí’ para nada! Muito menos para com as questões culturais. Ficam até tranquilos em relação a isso,  pois alegam que cultura não dá voto. Pode até não dar, mas que tira, tira!, e muito mais do que pensam. Afinal, os intelectuais e os artistas estão entre os principais formadores de opinião, logo...
Mas vamos ao que interessa:
Conforme dissemos acima, o que temíamos aconteceu, e o desastre é tal que colocará por terra décadas e décadas de trabalho e dedicação de gerações de artistas e intelectuais,  que desde a criação do MASC nos anos quarenta pelos integrantes do Grupo Sul, se posicionaram corajosamente contra  a  mediocridade,  a breguice,  o marasmo e o atraso cultural provincianos.
Mais de meio século depois, tudo volta a estaca zero, o MASC  será melancolicamente sepultado na data do seu próprio aniversário, ao som de um Réquiem bizarro  e grotesco.
Explico-me: Fomos procurados, há uns meses atrás, por uma artista que queria que  escrevêssemos    o texto do catálogo para uma mostra que ocuparia todo o espaço do MASC.  Perguntamos se a proposta tinha passado pelo conselho consultivo do museu.  A artista achava que sim, pois já tinha obtido o aval do administrador, e é aí que começa a tragédia, pois nem existe mais  o tal conselho consultivo.
Sem pé nem cabeça, mal alinhavada, e de uma pobreza conceitual  constrangedora, a proposta que nos foi apresentada é o  próprio ‘Samba do Crioulo Doido’, pretensiosa   e totalmente equivocada. Mistura num mesmo espaço, uma profusão de elementos disparatados  que dariam no mínimo um macabro parque temático. O resultado final  lembra uma daquelas amadorísticas feiras de ciência de colégios.
      Seria  fastidioso relatar detalhe por detalhe do projeto, mas vamos tentar resumir...
      A grande opereta tragicômica, começa com uma procissão onde a autora rodeada de um grupo de criancinhas recobertas de barbotina, “adentra (sic) o espaço expositivo recoberto de bolas azuis e brancas, que se espalharão pelo teto e pelo chão do CIC, ao som de uma respiração ‘ofegante’”. Após essa entrada triunfal,  “as criancinhas desaparecerão  discretamente”. – Sinceramente...
Mas a coisa não para por aí, pois isso é só o começo. Na sequência, haverá um tapete de carvão e gravetos que conduzirá ao local onde quarenta artistas pintarão cada qual suas  árvores, que posteriormente serão transformadas numa floresta flamejante, recobertas com uma tinta “misteriosa sugerindo chamas”.
O entretenimento será completado por uma série de selfies,  transmitidos on-line para uma sala,  onde o público poderá   assistir      a frutificação das arvores através das selfies, onde os artistas exercerão sua ”criatividade e seu gênio”.  NOSSA!!!
Um Totem gigante de papel, assustadores cavaleiros do apocalipse com rabos de cerâmica confeccionados por ceramistas que “abrilhantarão” o evento, dão sequência ao circo burlesco que tem seu ponto culminante no ”SANTUÁRIO”...
 Preparem-se: Em altares de vidro, fragmentos de pele humana (isso mesmo!), provenientes de cirurgias plásticas estarão expostas,  rodeando um grande espelho central. No chão, uma mistura desconexa de frases que incluem de trechos da carta aos Gálatas de São Paulo a frases da própria autora.
      Tem mais ainda, numa sala estarão  misturadas fotos de tumores  cancerígenos obtidos numa clínica que trata de câncer de pele,  misturadas à fotos da pedra sobre a qual se assenta a ilha de Santa Catarina.
        Haverá também outras “surpresas”, tais como perfumes, alegorias ao micro e macro cosmos, e desenhos,  um deles, executado nas próprias paredes do MASC, representa  uma árvore opulenta, cujo confuso  emaranhado gráfico é uma clara indicação de que o mau gosto começa pelo excesso.
A instalação e a performance são linguagens que necessitam de um grande domínio por parte do artista para poderem  alcançar seus objetivos. Quem não está habilitado pelo conhecimento, pelo talento e pela prática acaba caindo na gratuidade ou mesmo no ridículo.
Uma instalação não é uma vitrine, uma cenografia, nem muito menos um parque temático.  As imagens e metáforas  utilizadas pela arte não  devem nem podem ser explícitas, seu recado é dado através da ambiguidade e da capacidade criadora do artista, cuja função jamais deve ser óbvia, didática ou edificante.
Falamos sobre toda essa problemática  com a autora, mas foi inútil. Ela dirigiu-se a atual direção da Fundação Cultural, que impôs a proposta ao MASC pelo simples fato de a mesma já ter patrocínio garantido e de o Museu de Arte estar sem recursos para fazer absolutamente nada.
    Não é desculpa! Poder-se-ia,  de forma muito mais digna e não comprometedora, mostrar por exemplo o acervo de obras tridimensionais do MASC, proposta que aliás fizemos ao atual administrador, que a viu com bons olhos, mas teve que se curvar a “instâncias superiores”.
Um detalhe é que a mostra que estamos questionando não tinha até o momento em que nos foi apresentada nem ao menos um curador, e mais grave, para      tentar  obter nossa  adesão foi usado o nome de uma colega também crítica, que segundo a autora teria indicado os nomes dos quarenta artistas que pintarão a ‘floresta flamejante’ e escreveria o texto de apresentação da mostra.
Felizmente  essa colega, que vem desenvolvendo um trabalho sério  e consistente em prol da arte catarinense, informou-nos que não é verdadeira a versão de que seu nome  estaria fazendo parte deste evento equivocado, que no intuito de comemorar o aniversário do MASC, compromete toda uma reputação conquistada pela atuação brilhante de nossos principais criadores, e de intelectuais do porte de um Carlos Humberto Correia, Harry Laus,  José Silveira D’Ávila e tantos outros que tudo fizeram para conferir ao MASC a credibilidade que possui hoje, e que infelizmente encontra-se  fortemente ameaçada pela falta de discernimento dos atuais gestores.
O pior é que agora  provavelmente aparecerá uma enxurrada de propostas   desqualificadas, do mesmo teor ou até piores, pois o que importa pelo visto é apenas que elas já tenham patrocínio garantido. A porteira, portanto,  está aberta... - APROVEITEM!
Se a FCC  não respeitar o fato de que as mostras do MASC tem  que ter obrigatoriamente como premissa básica o aval do conselho consultivo,  estará decretada a falência dessa instituição que está entre as mais  respeitadas do Estado.
É necessário que se recrie imediatamente essa comissão com nomes escolhidos pelo seu preparo técnico, atuação profissional, formação intelectual e credibilidade junto à classe artística catarinense.                                                        É de todo inconcebível que passado mais de um ano isso ainda não  tenha sido feito. Os fatos comprovam que, sem um timoneiro adequado, qualquer embarcação naufraga e sucumbe no mar da mediocridade reinante, e é exatamente isso que ocorrerá com o MASC,  se a classe não pressionar a FCC para que a mesma  respeite e prestigie de fato nosso mais importante  museu de arte.
Esquecemo-nos de dizer, o” grand finale”  da exposição se dá com a frase ‘O silêncio tem um silvo’. Escrita em  maiúsculas sobre as paredes do MASC, não consegue  esconder, e apenas explicita e enfatiza, em sua pretensão, o seu vazio conceitual.
Sinceramente, o MASC poderia ser poupado deste pastiche.  Mas tudo é possível em se tratando do menosprezo à arte e à cultura aqui nesta SUCUPIRA DO SUL.   







7 comentários:

  1. Nossa! Sem comentários o descaso ao Museu e a arte cararinense.

    ResponderExcluir
  2. Inacreditável. Um crime contra a cultura e contra arte de Santa Catarina.

    ResponderExcluir
  3. Completamente coerente com um ministro da educação que não sabe usar o verbo haver, ministro da justiça propugna violência policial, com tempos em que fazer parte da mediocridade é carta de apresentação Enfim, voltamos aos anos 50!

    ResponderExcluir
  4. Janga, você escreve muito bem, porém não percebeu que por trás da P>E>L>E (Pelé) existe uma homenagem que foi ignorada em seu brilhantismo. A Sra. artista entrará rodeada de criancinhas (baixinhos) e balões coloridos mais o cenário de fundo com árvores com retratos! isso eu já vi! é uma referência aos inesquecíveis programas da rainha dos baixinhos, que tanto alegrou nossas infâncias! Viva o Xou da Xuxa!! beijinho

    ResponderExcluir
  5. Sensacional sua sacada Izabella , como é que eu não tinha me dado conta, sua leitura procede tem um toque de Xuxa em tudo isso,vou sugerir uma mudança na trilha sonora do espetáculo para show ficar completo obrigado um abraço janga

    ResponderExcluir
  6. Perfeito! Não somente em Florianópolis, mas no estado todo este descaso com as Artes Plástica!

    ResponderExcluir
  7. Nossa, como vocês são frustrados no que fazem.

    ResponderExcluir