domingo, 30 de abril de 2017

27 de Abril de 2017/Reunião Histórica - O Renascimento do MASC



O pronunciamento do administrador e curador do MASC Josué Mattos, no encontro  histórico do dia 27 de abril  de 2017,  inicia toda uma nova etapa para a arte catarinense,  que passa a contar com uma liderança de indiscutível capacitação para fazer  com que o principal museu de arte de Santa Catarina desempenhe plenamente suas funções.
Uma série de fatores uniram-se e agora, felizmente, as coisas tomaram outro rumo e  parecem que vão mesmo  mudar.  O resultado mais imediato dessa mudança já pode ser sentido na maneira como a FCC  se fez presente com toda sua equipe gestora na reunião convocada pela nova direção do MASC,  que reuniu artistas, críticos, jornalistas e intelectuais praticamente lotando a plateia do cinema do CIC para discutir pela primeira vez  em público o destino e  o papel do nosso principal museu de arte.
Com pronunciamentos claros, objetivos,  sem as desculpas e os nhem-nhem-nhem de sempre, a nova direção da FCC soube admitir os erros que provocaram as recentes polêmicas envolvendo os destinos do MASC, comprometendo-se a superá-los.  Na oportunidade desse encontro, prestigiado pela presença de toda a equipe da FCC, ao dialogar com o público presente, Josué Mattos mostrou que não é apenas um curador de reconhecida competência, mas um gestor que sabe pensar os caminhos a serem trilhados para atingir os objetivos a que se propõe como administrador.
Dentre  os diversos tópicos abordados em seu pronunciamento, merece destaque a ênfase que deu ao fato de que o MASC foi criado não por iniciativa do poder público mas sim por toda uma geração de artistas comprometidos com a modernidade que não mediu esforços para deflagrar um processo de atualização da arte catarinense  até então  parada no tempo e no espaço. ASSIM, CONFORME  AFIRMAMOS EM TEXTOS  DESTE BLOG, JOSUÉ REAFIRMOU EM SUA FALA QUE O MASC PERTENCE AOS ARTISTAS CATARINENSES E AO PÚBLICO QUE O PRESTIGIA!  Ao poder público, que depois  oficializou a criação do museu de arte encampando a ideia do grupo de artistas considerados meio malucos na época, cabe respeitar  essa vocação de origem, jamais repetindo  o que fizeram recentemente, entregando-o  a leigos, como se tratasse de  apenas mais uma repartiçãozinha qualquer. Cabe aos artistas e as suas associações de classes   ficarem atentos, não permitindo que essa insensatez e desrespeito se repitam  jamais na nossa história.
Mas voltemos  ao período de criação do MAMF (Museu de Arte Moderna de Florianópolis)  pelos jovens do Grupo Sul,  embora como o próprio Josué citou, o modernismo tardio que chegava a Santa Catarina no final dos anos quarenta já tivesse uma defasagem de origem em relação as vanguardas internacionais, em termos de Brasil a semana de arte moderna representou não obstante  isso, um avanço incomensurável em relação ao tipo de arte que se praticava no país, e de certa forma criou uma maneira peculiar de pensar, revelando sua própria versão de modernidade.  Ao chegar a Santa Catarina, essa preocupação inicial do modernismo com a questão da identidade nacional, acabou estimulando alguns  integrantes do GAPF (Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis)  a buscarem nos temas regionais uma suposta identidade catarinense.
De início, rejeitados pelo  público e pela sociedade local  (um colunista social da época chegou a jogar milho no espaço de uma exposição do GAPF para ridicularizar os galos do genial Meyer Filho), os artistas plásticos surgidos a partir do Grupo Sul, da mesma forma com que seus colegas escritores tiveram que enfrentar as paliçadas dos parnasianos que se abrigavam na Academia  Catarinense de Letras, tiveram, por sua vez, que desafiar e enfrentar o anacronismo dos cânones acadêmicos vigentes na sociedade local.  Aos poucos, o público foi se acostumando, entendendo e aplaudindo. Criou-se então uma nova tradição de figuração lírica modernista regional que a crítica paranaense  Adalice Araújo com sua tese de doutorado nos anos setenta, vai intitular de mito-mágica. Nessa tese  brilhante, Adalice fala sobre a existência de um espaço catarinense cujas peculiaridades refletiam-se nas obras de  nossos artistas mais representativos da época.
Até ai tudo bem, mas considerando que estávamos em plena vigência da pós-modernidade, as questões  a serem encaradas já eram outras bem diversas daquelas propostas pelo Grupo Sul nos anos quarenta. Fiz parte, juntamente com Max Moura, Jayro Schimidt e outros da primeira geração pós-moderna catarinense que surgia no período do final dos anos sessenta. A história repetiu-se, fomos hostilizados, tachados de malucos e até proibidos de participar dos vernissages do MAMF. Eu e Max  inclusive fomos impedidos de expor na única galeria da cidade que pertencia a radio Diário da Manhã. A exposição minha e do Max que já tinha ido residir em São Paulo, só ocorreu pela intervenção de Carlos Humberto Correia que nos cedeu o hall do TAC para que a mostra pudesse acontecer.
Como estávamos propondo uma linguagem nova para os parâmetros locais vigentes, provocamos ira e indignação que o tempo transformou em reconhecimento.
Quanto mais provinciano é um ambiente, mais ele resiste ao  novo e ao que vem de fora, talvez por um medo inconsciente de perder sua própria identidade.
Atualmente, ao menos a capital do Estado mudou, tornou-se mais cosmopolita, mais informada, menos fechada sobre si mesma. Mas ainda existem grandes focos de reação e de resistência ao que vem de fora. Prova disso é a desconfiança de alguns quanto às intenções do novo curador do MASC.  Apesar de os planos que Josué Mattos já traçou nesse pouco tempo, expostos  com objetividade e clareza no encontro do dia 27, demonstrarem claramente  o compromisso com  a valorização da arte catarinense e a compreensão de suas especificidades regionais e históricas, ainda tem gente  duvidando do acerto de suas propostas. O tempo esclarecerá essas  dúvidas.
 Já abordando outra questão e respondendo a pergunta de uma jornalista sobre a necessidade urgente de criação de um conselho consultivo, ele foi bem feliz  ao questionar em sua resposta a forma como editais são analisados as pressas por comissões que tem no máximo três dias (por vezes apenas uma tarde) para  analisar e julgar as centenas de  propostas dos concorrentes a cada edital.
 Falou também da necessidade de serem criadas outras formas de participação que evitem os constrangimentos de artistas com décadas de percurso terem que se submeter aos apressados pareceres das famigeradas comissões seletivas,   bem como de substituir essas apressadas avaliações por uma equipe de pesquisadores que sem pressa e com profundidade possam proceder  a uma pesquisa de trajetórias, percursos, poéticas e criação de linguagens por parte dos  artistas propositores.
Uma vez validada a proposta, seria dada carta branca e uma ajuda de custo ao propositor para executá-la . Essa forma mais adequada já colocada em prática   por varias instituições funciona muito melhor que esses sistemas  puramente burocráticos que obrigam os artistas a preencherem  um monte de fichas, pagar taxas e a taxas para no final das contas terem seus  trabalhos  avaliados  em questão de minutos por quem em geral desconhece totalmente sua trajetória.
Quando se trata de arte contemporânea, não é mais possível utilizar os mesmos critérios que   se utilizava para analisar por exemplo a qualidade de uma escultura, pintura ou desenho. Uma obra aberta precisa ser avaliada em todo seu processo de criação, sua poética, é necessário  avaliar a coerência  e relevância das questões propostas, adequação da linguagem utilizada  e muitos outros  aspectos que exigem sobretudo  pesquisa e tempo para serem analisados. O conselho consultivo  de um museu é importante para auxiliar nesse processo, para propor estratégias e dialogar com o curador  mas nunca para engessar  ou burocratizar suas decisões.
Conversando com alguns artistas, percebi uma preocupação com a possibilidade de que a nova direção do MASC privilegie  apenas artistas do eixo Rio-São Paulo deixando a arte catarinense em segundo plano. Pelo que ouvimos  nesse primeiro encontro com os artistas, essa preocupação parece-nos  infundada e improcedente. Josué Matos possui uma consciência bem clara da sua responsabilidade como mentor intelectual do principal museu de arte de Santa Catarina e temos certeza  que saberá desempenhar sua novas funções com o mesmo brilho com que vem exercendo seu papel de curador, que já lhe conquistou o reconhecimento   nacional. Isso ficou bem claro na decisão de iniciar a programação de sua gestão mostrando nas próprias salas do MASC a coletiva de  jovens artistas que através dela protestaram contra a não continuidade do Salão Nacional Victor Meirelles, que bem ou mal era uma da poucas oportunidades para nossos artistas e público terem um contato direto com a produção contemporânea nacional, ao mesmo tempo que dava visibilidade para a arte catarinense da atualidade. Caracterizada pela experimentação e pesquisa, essa exposição organizada pelo Coletivo NaCasa, faz com que o MASC retome seu  papel  fundamental de tornar-se um espaço que estimule a reflexão, o questionamento e o debate permanente sobre questões básicas da contemporaneidade.
Como bem ressaltou Josué em seu histórico pronunciamento, não tem cabimento o MASC restringir-se a prosaica missão de pendurar ‘quadrinhos na parede’ para vender para os decoradores de plantão.
Uma das próximas  mostras que o MASC  trará para o vão central do museu (claraboia) será um specific-site do artista florianopolitano Roberto Freitas. Roberto formado na UDESC vem destacando-se por suas instalações sonoras que ampliam o campo de nossas percepções através da utilização dos sons.
 A análise consistente, o olhar inteligente  e sensível sobre a produção contemporânea que  tem caracterizado a atuação profissional de Josué Mattos enriquece sobremaneira  o MASC, ampliando consideravelmente as possibilidades e o alcance de sua atuação. Era justamente isso que  faltava e o  principal motivo pelo qual tanto lutamos.  O MASC portanto está em boas mãos e os artistas catarinenses não tem com o que se preocupar.  Trata-se agora  de cada um colaborar com seu interesse e participação para que esse processo de  renovação atinja  o Estado como um todo!
Graças aos céus, dessa vez os deuses foram generosos com Santa Catarina!!!

 MAKTUB.


domingo, 23 de abril de 2017

PLÉTICOS: os 93 anos do mestre, que nos anos 60, traz a Santa Catarina, através da sua obra, uma nova concepção do espaço pictórico.

     

         Trazendo para Santa Catarina em meados dos anos sessenta,  os ecos tardios da revolução cubista, Silvio Pléticos introduz, aqui no Estado, uma nova concepção do espaço pictórico, que ajudou a romper de vez com a tradição da narrativa linear descritiva predominante,  e a criar os alicerces para a renovação da plasticidade catarinense  que ocorreria nos anos subsequentes e se consolidaria nos anos oitenta.
O ambiente provinciano que reinava por aqui assistia então, assustado, ao aparecimento da primeira geração pós-moderna que dava seus primeiros passos. Pléticos  foi  na época, um dos únicos  interlocutores dessa geração, uma vez que havia uma resistência muito grande por parte do público,  e mesmo por parte dos artistas já estabelecidos, a qualquer tentativa de romper com a tradição da figuração lírica predominante, que era vista como a única  possível.
Pléticos introduz na pintura catarinense a técnica da passage,  que conduz o olhar a diferentes áreas da pintura, e ao mesmo tempo  que cria um sentido de profundidade, chama a atenção para a superfície da tela que projeta-se no espaço do observador.
Esses métodos ‘Cezanescos’ de retratar três dimensões recorrendo a múltiplas perspectivas, construindo formas a partir de diferentes planos que parecem deslizar ou passar um através do outro, já eram coisas do passado devidamente incorporadas  na tradição modernista, mas que na  prática jamais haviam sido exercitados  por aqui.
Na verdade, a rejeição da perspectiva  limitada a um único ponto de vista com sua representação ilusionista do espaço,  que predominou na arte ocidental desde o renascimento,  só foi encarada pelo cubismo,  cujos métodos revolucionários foram os catalizadores para boa parte dos movimentos que renovaram a arte da primeira metade do século vinte.

A atuação de  Pléticos foi portanto fundamental no sentido de estimular  nossos artistas  a romperem com a defasagem histórica e o anacronismo reinantes que engessavam a criatividade e desencorajavam a pesquisa.
Pléticos enfatizou sempre a importância da informação, do conhecimento profundo da história da arte, da reflexão e do pensamento analítico,  imprescindíveis para a compreensão das propostas contemporâneas.
Sua obra assenta-se sobre as tradições da pintura ocidental dentro das quais elaborou sua própria linguagem.
Num determinado período de sua carreira, impossibilitado de continuar  expressando-se através da técnica da pintura a óleo, recorreu aos grafitos  que  transitam entre o desenho e a pintura e que lembram os processos da gravura em metal.
Nos grafitos,  ele dá sua versão pessoal do desafio de Picasso  de representar  três  dimensões na superfície bidimensional da tela,  e do desejo de Braque de explorar a pintura de volume e da massa no espaço.
Estruturadas a partir de formas  interpenetrantes, em que a linha tem a função principal, as composições ousadas e monumentais dos grafitos de Pléticos  equilibram-se em seu conjunto através de detalhes que acentuam os efeitos visuais. O emprego de camadas superpostas de formas planas, cria simultaneamente uma sensação de algum espaço na frente do quadro e desloca outro espaço mais para o fundo. A distinção entre a profundidade pintada e a profundidade literal cai por terra, conferindo um sentimento arquitetônico, como se  a pessoa enxergasse as coisas tanto no plano como em elevação.
Essas são algumas questões estruturais básicas, que aportando  por aqui com a presença física das obras de Pléticos, refletiram melhor o clima intelectual que permeava as buscas  contemporâneas.
Propondo novas vivências espaciais, esses grafitos com sua concentração maior e distinta das outras fases do artista, fazem com que o olhar seja captado, deslize e se apoie em obras cujos desdobramentos propiciam, segundo a maneira com que o espectador as interrogue, uma sensível ampliação de suas percepções.
Circulando em meio a uma lógica espacial dinâmica e em interminável transformação, essas obras exploram as mais diversas articulações estruturais, levando ao limite suas possibilidades plástico-expressivas.
Refletem de modo particular o mundo no qual transcorre nossa  existência temporal.












domingo, 9 de abril de 2017

FERNANDO LINDOTE - O MAIS RELEVANTE ARTISTA CATARINENSE DA ATUALIDADE


Considerada  a melhor mostra individual do ano, a individual que Fernando Lindote realizou em 2016, no Museu de Arte do Rio (MAR) com curadoria do crítico Paulo Herkenhoff , deu sequência a uma  carreira brilhante que inclui participações na Bienal do Mercosul, Bienal de São Paulo, mostra individual no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e individuais nos principais  espaços culturais do país.
Um dos vinte finalistas do prêmio Marcantonio Vilaça, Lindote,  com toda razão, é considerado pela crítica nacional como o artista catarinense mais relevante da atualidade.
A constante renovação de suas experimentações levou-o a percorrer os territórios mais diversos.
Demonstrando em todo seu percurso uma inesgotável capacidade de reinventar-se,  aderiu  nos últimos anos a “arte morta da pintura”,  através da qual foca a questão da representação, retomando coisas que anteriormente havia descartado como a figuração, a memória, o simbolismo e a narrativa.
Fases anteriores  de experimentações,  como a de obras construídas com fragmentos de EVA mastigados, propunham  ao observador vivenciar a própria presença  física do objeto sem recorrer a temas nem narrativas, numa proposição tipo “o que se vê é o que se vê”.
Já  em suas pinturas atuais,  por meio da alegoria ou do simbolismo, reintroduz o tema que em geral tem um envolvimento com a história coletiva ou memória pessoal.
Objetivando expressar a experiência de viver as perplexidades desse início de século, engaja-se em questões sociais e políticas, como fez recentemente em sua mostra denominada ‘Guerra! E a necessidade de fazer pontes’
Algumas  telas, dentre suas produções mais recentes, surpreendem com cenas de florestas aparentemente idílicas dessa nossa terra onde “nossos bosques tem mais vida”. Essas florestas  tropicais, exuberantes com  seus emaranhados de cipós, flora exótica e luminosidade  peculiar, foram  constante fonte   de inspiração para artistas  de todo o mundo,  que por aqui passaram nos séculos dezoito e dezenove, registrando  através das imagens botânicas captadas por seu olhar estrangeiro, as matrizes de um utópico ´paraíso tropical´.
São essas imagens que Lindote desloca e representa em novos e perturbadores contextos.


Ironizando a procura de identidades nacionais forjadas, recorre aos estereótipos dessas mesmas identidades,    tais como o personagem  do Zé Carioca,  que transforma-se de figura pop em elemento de arte elevada.
Introduzindo nas cenas figuras míticas como  Macunaíma,  cujo perfil primitivo e majestoso  recorta-se frente ao clima evocativo das florestas, fazendo justaposições  quase surreais de imagens de orquídeas   e flores, com grotescas imagens de macacos que surgem em meio a vegetação,  ou colocando frente a paisagens urbanas, figuras perturbadoras de  estranhos  seres com mascaras de coelhos ou suínos, dramatiza e questiona os próprios padrões de beleza e bom gosto, ao mesmo tempo em que expressa através da riqueza subjacente dessas imagens, alegorias e símbolos deslocados de seu contexto original, perplexidades  sobre quem realmente somos em termos de brasilidade e identidade nacional.
Afinal, somos o que somos como povo e como seres a partir de nós mesmos? Ou somos formatados e manipulados pelo olhar do outro, o ‘estrangeiro’,  que nos induz  a sermos ou nos percebemos dessa  ou daquela maneira e não de uma outra? Até que ponto, ser brasileiro é mesmo ter as características macunaímicas do herói sem caráter?  Até que ponto existe esse homem cordial tão citado em tratados sobre a identidade nacional  e tão imperceptível nos noticiários cotidianos que nos assombram com sua crueldade sem limites? Vivemos num paraíso tropical, rodeados de flores exóticas, orquídeas e bromélias como nos mostram os relatos dos navegadores que por essas terras circularam? Ou  num ambiente urbano degradado e hostil, ameaçados a cada passo  pela   crueldade e violência de uma sociedade desestruturada, transformando-nos  aos poucos sem nos darmos conta, em seres desumanizados, perplexos  e assustados,   bizarros  personagens de Ionesco, transmutados em rinocerontes,  lebres ou suínos?
Muitas questões são propostas por essa série de pinturas   de Lindote. Interpretá-las desta ou daquela maneira não esgota  evidentemente seus significados.
Por sinal,  uma das características mais admiráveis presente em todas as  suas fases , é o modo com que  articula  suas propostas,  fazendo com que vivenciá-las  seja sempre mais importante  que compreender  de   imediato seus desdobramentos e possibilidades.
Indo do minucioso ao monumental, essas grandes telas com seu reflexos  neo-expressionistas de forte conteúdo emocional, mostram  um artista que soube apagar traços de sua própria identidade, para questionar estereótipos  utilizando apropriações e recursos expressivos  eficazes, capazes de provocar debates sobre o significado de tais apropriações.
Significados que, sem dúvida, serão alterados na medida em que se distanciar a própria perspectiva histórica em relação aos mesmos.




terça-feira, 4 de abril de 2017

MASC (nosso Promontório de Sagres, segundo Nelson Aguilar) Ressurge das Cinzas


Kátia Pensa Barelli, Josué Mattos e Cláudia de Figueiredo

Como já é do conhecimento público, o MASC,  após  longo período de hibernação, volta a ser conduzido  por um nome realmente capacitado para   exercer plenamente as funções de líder de todo um processo de revitalização e recuperação da credibilidade ameaçada por desatinos como os que presenciamos recentemente.
Nomeado para o cargo de administrador do MASC, o catarinense de Criciúma  Josué Mattos, tem em seu currículo dentre outras realizações,   a curadoria da TRIENAL DE ARTES FRESTAS de SOROCABA, evento que recebeu  as mais elogiosas  avaliações por parte da critica nacional.

Obra: Exit ball, 2009, de Romuald Hazoumé- Trienal Fresta
Sobre essa Trienal, Angélica de Moraes, uma das críticas mais atuantes e importantes do país, escreveu: ”É  com um suspiro de alivio e gratidão que saí da visita   a primeira  Trienal de Artes Frestas, excelente curadoria de Josué Mattos para o SESC de Sorocaba-SP. EXISTE COMPETÊNCIA NESSA ÁREA”, e conclui, afirmando que “o que a 31° Bienal de São Paulo extirpou quase por completo de nossa vista, a Trienal de Sorocaba nos restituiu”.

Obra que participou da Primeira Trienal Fresta - Curadoria Josué Mattos
Nossa insistência em indicar o nome de Josué para administrar o MASC, não aconteceu por implicância pessoal  para com esse ou aquele nome, mas pela certeza de que ao valorizar seus talentos, Santa Catarina estaria fazendo sua escolha certa. Felizmente, nossa indicação foi levada em conta pela nova gestão da FCC,  que ao que tudo indica recuperará o tempo perdido pela cultura catarinense nestes últimos anos,  criando condições para que ela se reestruture e avance.
A indicação do nome de Josué já tinha sido feita anteriormente.  Cerca de um ano e meio atrás, inclusive, fomos recebidos pelo então secretário de cultura Felipe Melo, que em princípio concordou com  nosso pleito, mas disse que a sugestão teria que passar pela aprovação do jurídico. Estavam  presentes nessa reunião além de mim, o administrador do MASC da época Kim Isac, o próprio Josué e as artistas plásticas Cassia Aresta e Karina Zen.
Antes dessa reunião,  havíamos enviado um ofício ao governador do Estado e para a superintendente da FCC,   Sra. Terezinha, que declarou a imprensa que o  gestor do MASC  já tinha sido nomeado,  sem  sequer dignar-se a responder nosso ofício. Era assim que nossos artistas eram tratados,  como se a questão do MASC  fosse um assunto deles e não nos dissesse respeito.
Com a nomeação de Rodolfo Pinto da Luz, encaminhamos novamente um ofício para a superintendência da FCC  com a sugestão de três  nomes para a administração do MASC,  dentre os quais estava incluído novamente o de Josué. O professor Rodolfo tem conhecimento das questões pertinentes à área cultural, sabe tomar as direções certas e sempre soube ouvir as vozes dos artistas, pautando  suas decisões pelo discernimento e bom senso. Isso nos estimulou a tentar de novo, apesar de termos sido solenemente ignorados pela gestão anterior da FCC,  e tendo de assistir calados “a vaca indo pro brejo”. A imprensa local ignora completamente qualquer assunto que não prime pela futilidade, assim restou-nos criar esse blog ‘Com a Pá Virada’, que nesses poucos meses de existência já conta com mais de vinte e duas mil visualizações.
Faz toda a diferença termos a frente da Fundação Catarinense de Cultura,  alguém que saiba de fato avaliar os problemas  que a instituição enfrenta, propondo soluções,  e que ouça as vozes  dos artistas dos diferentes setores, pois são eles que, melhor que ninguém, têm condições de avaliar o desempenho deste órgão tão vital para o amadurecimento da atividade artística entre nós. Felizmente nossa sugestão foi ouvida, e ao menos o MASC está a salvo por enquanto.
Mas muito ainda precisa ser feito. É preciso repensar muita coisa! O CIC, por exemplo,  para bem desempenhar seu papel, deve deixar de ser apenas mais uma repartição burocrática ‘meia-boca’,  transformando-se, de fato, num centro dinâmico de criação, com oficinas e ateliers ocupando toda a área que foi projetada e construída exatamente para isso.
Por problemas que todos conhecem, na recente restauração, metade do prédio nem foi reformado, apesar da fábula que se gastou quando as obras foram feitas.
Parte da construção virou um quase cortiço, com corredores lúgubres cobertos por tapumes improvisados, onde se desenvolvem os trabalhos burocráticos da FCC.
O GOVERNO DO ESTADO POSSUI VÁRIOS IMÓVEIS, QUE PODERIAM MUITO BEM ABRIGAR A SEDE ADMINISTRATIVA DA FCC, LIBERANDO O PRÉDIO DO CIC PARA AS ATIVIDADES CULTURAIS.
No momento atual, nem mais existe o  atelier de pintura,  que foi construído junto com as oficinas,  e acabou sendo utilizado para abrigar a escolinha de arte.  A escolinha de arte é importante,  mas não se justifica que a mesma se instale  junto de oficinas cujos objetivos são outros.  Nas oficinas, busca-se a formação  e aprimoramento de  artistas, que ali tem contato direto com as mais diferentes técnicas e linguagens, orientados por profissionais competentes.  Nas oficinas do CIC, vem-se formando gerações que tem dado contribuição fundamental para a arte praticada em Santa Catarina. Ao invés de diminuírem a área de atuação das oficinas, destinando seu atelier de pintura para outras finalidades, deveriam  é expandir seu alcance por todo o Estado, através do deslocamento  de suas atividades,  ou mesmo através da criação de bolsas e residências que possibilitem aos artistas catarinenses de outras regiões  terem acesso a seus cursos.
Quanto a Escolinha de Arte,  seus objetivos não são a formação de artistas, mas sim proporcionar as crianças uma oportunidade de desenvolverem sua criatividade expressando-se através dos meios que a arte oferece. Os objetivos das escolinhas são bem distintos daqueles que norteiam  um atelier de adultos. Pena que a FCC ainda não tenha percebido isso! Talvez agora,  com um gestor capacitado e  que sempre ouviu as vozes dos artistas, as coisas tomem outro rumo.  É  o que todos esperamos.
Uma boa sinalização neste sentido, foi  dada pela  nova direção da FCC,  através da indicação do nome de Josué  Mattos para a administração do MASC.  Referendado pelos artistas catarinenses através de suas entidades de classe, Josué foi um dos nomes propostos para essa função pela sua brilhante atuação profissional e formação.  Nome com transito nacional, saberá por certo reconduzir o MASC ao seu destino, deixando para trás os recentes tropeços.
Importante também a nomeação de uma curadora adjunta para a área de arte educação, área fundamental para um museu de arte. O MASC sempre teve presente essa importante função que dentro dos seus limites procurou desempenhar.  Com  a formação acadêmica da nova responsável por essa área, com certeza essas atividades serão consideravelmente ampliadas e amadurecidas.
São novos tempos com bons sinais.
Sinceramente, com o que vinha acontecendo nas gestões anteriores da FCC, o panorama que se delineava era totalmente desolador. Tratar com pessoas que não entendem nada do  assunto  é desgastante e de todo inútil,  pois fala-se  línguas diferentes  e não se chega a conclusão nenhuma. O pior de tudo é a postura imperial de quem acha que por estar temporariamente no poder, tudo pode.
Nestes tempos sinistros, que felizmente ficaram para trás,  coisas abomináveis ocorreram e acabaram por  afastar do CIC toda a inteligência local que foi  claramente hostilizada.
De certa feita, jovens estudantes de artes cênicas foram grosseiramente  escorraçados  ao ensaiarem na frente do prédio sob a alegação de que colocavam o patrimônio em risco. Em outra ocasião, quando ocorreu a ocupação do CIC (Movimento Ocupa CIC!),  o superintendente imperial  simplesmente recusou-se a falar com  artistas e associações das mais  diversas regiões do Estado,  que ali estavam para propor mudanças na situação intolerável de descaso e omissão. Ao invés de dialogar educada e civilizadamente, o então superintendente limitou-se a ignorar as questões levantadas. O CIC  pertence aos artistas catarinenses e ao público que prestigia suas atividades, isso tem que ficar sempre bem claro! Subestimar a inteligência, sensibilidade e capacidade crítica do público como fizeram na gestão passada, chegando a colocar um elefantinho branco todo decorado (uma gracinha!!)  na frente do centro cultural, como se obra de arte fosse,  é no mínimo um deboche  para com a cidade e o Estado, sinal  evidente do despreparo e da absoluta falta de noção do que se conceitua como arte e cultura por parte de quem estava responsável na época  pelo local, onde  aterrizou o gracioso  elefantinho.
Cada coisa no seu lugar.  Eventos como as ‘Cow Parade’,  ‘Elephant Parade’ ou seja lá que ‘parade’ for,  pertencem a área do entretenimento, são engraçados e divertidos mesmo que de gosto discutível, mas não podem ocupar os espaços destinados às legitimas manifestações culturais de um povo, sob pena e risco de reduzirem  tudo a  fútil mediocridade descompromissada da cultura de massas, proposta pelo sistema argentário em que vivemos, que só leva em conta  as finalidades marqueteiras e o lucro.
Aliás, falando nas “parades” da vida, o administrador do Masc na época, afirmou, através de uma publicação aberta na página (facebook) do próprio museu, que a mostra A Pele “coloca a exposição local em outro patamar”. Não dá para se entender direito o que quis dizer com isso, talvez estivesse se referindo ao evento dentro da mostra, que colocou  33 artistas participantes para pintar cada qual uma árvore vermelha, com o detalhe de que nenhum deles teve o aval de um curador capacitado e muito menos do conselho consultivo do museu, já que o mesmo encontrava-se desativado a mais de um ano. É ai que está a questão! Do jeito que a coisa foi feita, parecia tratar-se de uma versão ‘singular’ dos eventos ‘parade’. No caso, essa Tree Parade (alameda coletiva de árvores vermelhinhas), dá seqüência a eventos de igual natureza. Tal como no ‘parade’ original, as obras serão leiloadas no final da exposição, através de leilão com fins filantrópicos. Não é necessário dizer que o Masc não é o lugar adequado para eventos de tal natureza, que definitivamente não levam em conta a principal característica de uma proposta que é a sua qualificação e relevância cultural, reconhecias por profissionais da área.
Em 1976,  o crítico Olívio Tavares de Araújo, curador da mostra ‘Brasil ARTE Agora’, percorreu  os atelies dos artistas catarinenses  buscando nomes que pudessem representar o Estado no evento. Suas impressões, registradas  no catálogo da mostra foram as piores e afirmou:”-Em  Santa Catarina prevalecem trabalhos anacrônicos e de tosca execução”.
Na época, estávamos retornando para Santa Catarina e refletimos sobre a gravidade da situação denunciada nas palavras de Olívio. Algo precisava ser feito para reverter o quadro.
Começamos pela maneira que estava mais ao alcance,  que eram os textos enviados aos jornais em  que  denunciávamos a opressão do mau gosto provinciano, o comodismo e o marasmo. Depois, partimos para a organização da classe artística em torno das associações que foram sendo criadas. Assim que o MASC mudou-se para o CIC, conseguimos que o governador do Estado da época, Esperidião Amin, cedesse o local para sediar a ACAP (Associação Catarinense dos Artistas Plásticos), que eu presidia.  Ali, desenvolvemos um trabalho que foi colocando novas questões para nossos artistas. Realizamos mostras de out-door, propondo o desafio do grande formato e da intervenção urbana. Mostras de arte na rua como os estandartes,  alcançaram repercussão nacional, e foram aos poucos dando visibilidade   ao que se fazia por aqui.
Cursos de arte contemporânea, primeiras performances  e instalações  mostras de arte postal, intercâmbios com artistas de outros estados, tudo foi ocorrendo de forma planejada de modo a proporcionar uma atualização aos artistas e ao público, movimento que foi reafirmado quando através da ACAP, conseguimos que Harry Laus fosse consolidado para diretor do MASC.
Lembro-me dos almoços semanais com o Harry ali na Tiradentes, quando ficávamos arquitetando o que faríamos a seguir para  estimular o processo de renovação que ocorria.
Após uma década de conquistas e lutas, foi montado em 1990 o ‘Panorama do Volume’ no MASC, divisor de águas  que     demonstrou o quanto os artistas catarinenses tinham evoluído em termos de atualização e assumido os desafios de sua época. A crítica paranaense Adalice Araújo, em sua coluna de artes plásticas da Gazeta do Povo, de Curitiba, considerou essa mostra como sendo de padrão internacional,  e afirmou que vários dos artistas participantes não ficavam nada a dever em relação ao que estava sendo feito nas principais mostras internacionais de arte.
Como vemos, o progresso foi considerável. Por essa mesma época, a UDESC transformou seu curso de educação artística em bacharelado e passou a alicerçar e dar sustentação  teórico-prática aos novos artistas que foram surgindo.  Apesar das inevitáveis atitudes  reacionárias dos que  queriam a todo custo manter o status quo de acomodação e anacronismo, o processo de renovação foi se consolidando. Por dez anos assinei colunas de arte nos jornais locais, eu e Harry deflagramos um verdadeiro fogo cerrado contra a opressão do mau gosto provinciano.
Hoje, dezenas de  artistas catarinenses fazem parte do circuito nacional de artes.
Muita coisa mudou, porém é necessário continuar a luta para não permitir retrocessos nem deixar que o  marasmo e a mediocridade pretensiosa novamente se instalem. E é justamente ai que o MASC  tem que continuar exercendo  o papel fundamental que teve    na instauração desse processo de qualificação e atualização da arte praticada em Santa Catarina.
Já tínhamos decidido pendurar as chuteiras, pois é cansativo e chato bater sempre nas mesmas teclas, mas quando a gente pensa que as conquistas foram consolidadas, lá aparece um zé mané da vida  e ameaça botar tudo a perder.
Fatos aparentemente sem importância, tais como  o de uma exposição ocorrida nas dependências do MASC  sem o aval de um curador ou de um conselho consultivo, não são tão inocentes assim como parecem.
Eles abrem precedentes para o ‘estouro da boiada’ e dai não tem como consertar o estrago. Uma vez que se perdem os parâmetros, nada mais pode ser feito, pois tudo se reduz a vala comum da mediocridade.
Analisemos, por exemplo, a possibilidade de que  hoje, algum crítico do eixo Rio-São Paulo, de passagem pela capital catarinense, resolvesse visitar o MASC  de surpresa  para conferir o que se está fazendo por aqui.
Ao deparar com a bizarra ‘alameda de arvorezinhas vermelhas’, expostas  nas salas do museu,  levaria um susto e veria de tudo: árvores com penduricalhos tipo espelhinhos, borboletas, fitas,   coraçõezinhos, etc.. Veria também, como se obras de arte fossem, galhos pintados de vermelho com latas embutidas, árvores com seios, ninhos com ovinhos, abelhinha sobrevoando o umbigo, árvores de olhos... Veria de tudo enfim,  desde árvores  com casinhas penduradas pintadas por quem fez sua primeira “pintura” na vida, até as interpretações mais toscas e  anacrônicas como jamais se viu no MASC!  A conclusão do visitante se se propusesse a analisar o que viu não poderia ser outra: o texto de Olívio Tavares escrito a quarenta  anos atrás  ainda teria sua razão de ser. Se o principal Museu de Arte do Estado coloca e endossa com orgulho a sua “Tree Parade” e coisas que tais, como referência do que  se conceitua como arte por aqui, realmente é inevitável concluir que “em Santa Catarina continuam prevalecendo trabalhos anacrônicos e de tosca execução”.
Entenderam, caros leitores, a real dimensão do problema?
Felizmente, parece que por  ora, o pesadelo acabou, mas é necessário continuarmos  atentos e vigilantes.
A  batalha foi vencida mas a luta continua.

(continua..)