domingo, 9 de abril de 2017

FERNANDO LINDOTE - O MAIS RELEVANTE ARTISTA CATARINENSE DA ATUALIDADE


Considerada  a melhor mostra individual do ano, a individual que Fernando Lindote realizou em 2016, no Museu de Arte do Rio (MAR) com curadoria do crítico Paulo Herkenhoff , deu sequência a uma  carreira brilhante que inclui participações na Bienal do Mercosul, Bienal de São Paulo, mostra individual no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e individuais nos principais  espaços culturais do país.
Um dos vinte finalistas do prêmio Marcantonio Vilaça, Lindote,  com toda razão, é considerado pela crítica nacional como o artista catarinense mais relevante da atualidade.
A constante renovação de suas experimentações levou-o a percorrer os territórios mais diversos.
Demonstrando em todo seu percurso uma inesgotável capacidade de reinventar-se,  aderiu  nos últimos anos a “arte morta da pintura”,  através da qual foca a questão da representação, retomando coisas que anteriormente havia descartado como a figuração, a memória, o simbolismo e a narrativa.
Fases anteriores  de experimentações,  como a de obras construídas com fragmentos de EVA mastigados, propunham  ao observador vivenciar a própria presença  física do objeto sem recorrer a temas nem narrativas, numa proposição tipo “o que se vê é o que se vê”.
Já  em suas pinturas atuais,  por meio da alegoria ou do simbolismo, reintroduz o tema que em geral tem um envolvimento com a história coletiva ou memória pessoal.
Objetivando expressar a experiência de viver as perplexidades desse início de século, engaja-se em questões sociais e políticas, como fez recentemente em sua mostra denominada ‘Guerra! E a necessidade de fazer pontes’
Algumas  telas, dentre suas produções mais recentes, surpreendem com cenas de florestas aparentemente idílicas dessa nossa terra onde “nossos bosques tem mais vida”. Essas florestas  tropicais, exuberantes com  seus emaranhados de cipós, flora exótica e luminosidade  peculiar, foram  constante fonte   de inspiração para artistas  de todo o mundo,  que por aqui passaram nos séculos dezoito e dezenove, registrando  através das imagens botânicas captadas por seu olhar estrangeiro, as matrizes de um utópico ´paraíso tropical´.
São essas imagens que Lindote desloca e representa em novos e perturbadores contextos.


Ironizando a procura de identidades nacionais forjadas, recorre aos estereótipos dessas mesmas identidades,    tais como o personagem  do Zé Carioca,  que transforma-se de figura pop em elemento de arte elevada.
Introduzindo nas cenas figuras míticas como  Macunaíma,  cujo perfil primitivo e majestoso  recorta-se frente ao clima evocativo das florestas, fazendo justaposições  quase surreais de imagens de orquídeas   e flores, com grotescas imagens de macacos que surgem em meio a vegetação,  ou colocando frente a paisagens urbanas, figuras perturbadoras de  estranhos  seres com mascaras de coelhos ou suínos, dramatiza e questiona os próprios padrões de beleza e bom gosto, ao mesmo tempo em que expressa através da riqueza subjacente dessas imagens, alegorias e símbolos deslocados de seu contexto original, perplexidades  sobre quem realmente somos em termos de brasilidade e identidade nacional.
Afinal, somos o que somos como povo e como seres a partir de nós mesmos? Ou somos formatados e manipulados pelo olhar do outro, o ‘estrangeiro’,  que nos induz  a sermos ou nos percebemos dessa  ou daquela maneira e não de uma outra? Até que ponto, ser brasileiro é mesmo ter as características macunaímicas do herói sem caráter?  Até que ponto existe esse homem cordial tão citado em tratados sobre a identidade nacional  e tão imperceptível nos noticiários cotidianos que nos assombram com sua crueldade sem limites? Vivemos num paraíso tropical, rodeados de flores exóticas, orquídeas e bromélias como nos mostram os relatos dos navegadores que por essas terras circularam? Ou  num ambiente urbano degradado e hostil, ameaçados a cada passo  pela   crueldade e violência de uma sociedade desestruturada, transformando-nos  aos poucos sem nos darmos conta, em seres desumanizados, perplexos  e assustados,   bizarros  personagens de Ionesco, transmutados em rinocerontes,  lebres ou suínos?
Muitas questões são propostas por essa série de pinturas   de Lindote. Interpretá-las desta ou daquela maneira não esgota  evidentemente seus significados.
Por sinal,  uma das características mais admiráveis presente em todas as  suas fases , é o modo com que  articula  suas propostas,  fazendo com que vivenciá-las  seja sempre mais importante  que compreender  de   imediato seus desdobramentos e possibilidades.
Indo do minucioso ao monumental, essas grandes telas com seu reflexos  neo-expressionistas de forte conteúdo emocional, mostram  um artista que soube apagar traços de sua própria identidade, para questionar estereótipos  utilizando apropriações e recursos expressivos  eficazes, capazes de provocar debates sobre o significado de tais apropriações.
Significados que, sem dúvida, serão alterados na medida em que se distanciar a própria perspectiva histórica em relação aos mesmos.




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