Considerada a melhor mostra individual do ano, a
individual que Fernando Lindote realizou em 2016, no Museu de Arte do Rio (MAR)
com curadoria do crítico Paulo Herkenhoff , deu sequência a uma carreira brilhante que inclui participações
na Bienal do Mercosul, Bienal de São Paulo, mostra individual no Museu de Arte
Contemporânea de São Paulo e individuais nos principais espaços culturais do país.
Um dos vinte finalistas do prêmio
Marcantonio Vilaça, Lindote, com toda
razão, é considerado pela crítica nacional como o artista catarinense mais
relevante da atualidade.
A constante renovação de suas
experimentações levou-o a percorrer os territórios mais diversos.
Demonstrando em todo seu percurso
uma inesgotável capacidade de reinventar-se,
aderiu nos últimos anos a “arte morta da pintura”, através da qual foca a questão da
representação, retomando coisas que anteriormente havia descartado como a
figuração, a memória, o simbolismo e a narrativa.
Fases anteriores de experimentações, como a de obras construídas com fragmentos de
EVA mastigados, propunham ao observador
vivenciar a própria presença física do
objeto sem recorrer a temas nem narrativas, numa proposição tipo “o que se vê é
o que se vê”.
Já em suas pinturas atuais, por meio da alegoria ou do simbolismo, reintroduz
o tema que em geral tem um envolvimento com a história coletiva ou memória
pessoal.
Objetivando expressar a
experiência de viver as perplexidades desse início de século, engaja-se em
questões sociais e políticas, como fez recentemente em sua mostra denominada ‘Guerra!
E a necessidade de fazer pontes’
Algumas telas, dentre suas produções mais recentes, surpreendem
com cenas de florestas aparentemente idílicas dessa nossa terra onde “nossos bosques
tem mais vida”. Essas florestas tropicais,
exuberantes com seus emaranhados de
cipós, flora exótica e luminosidade peculiar, foram constante fonte de inspiração para artistas de todo o mundo, que por aqui passaram nos séculos dezoito e
dezenove, registrando através das
imagens botânicas captadas por seu olhar estrangeiro, as matrizes de um utópico
´paraíso tropical´.
São essas imagens que Lindote
desloca e representa em novos e perturbadores contextos.
Ironizando a procura de
identidades nacionais forjadas, recorre aos estereótipos dessas mesmas identidades,
tais como o personagem do Zé Carioca,
que transforma-se de figura pop
em elemento de arte elevada.
Introduzindo nas cenas figuras
míticas como Macunaíma, cujo perfil primitivo e majestoso recorta-se frente ao clima evocativo das
florestas, fazendo justaposições quase
surreais de imagens de orquídeas e flores, com grotescas imagens de macacos que
surgem em meio a vegetação, ou colocando
frente a paisagens urbanas, figuras perturbadoras de estranhos seres com mascaras de coelhos ou suínos, dramatiza
e questiona os próprios padrões de beleza e bom gosto, ao mesmo tempo em que expressa
através da riqueza subjacente dessas imagens, alegorias e símbolos deslocados
de seu contexto original, perplexidades
sobre quem realmente somos em termos de brasilidade e identidade
nacional.
Afinal, somos o que somos como povo
e como seres a partir de nós mesmos? Ou somos formatados e manipulados pelo
olhar do outro, o ‘estrangeiro’, que nos
induz a sermos ou nos percebemos
dessa ou daquela maneira e não de uma
outra? Até que ponto, ser brasileiro é mesmo ter as características macunaímicas
do herói sem caráter? Até que ponto
existe esse homem cordial tão citado em tratados sobre a identidade nacional e tão imperceptível nos noticiários cotidianos
que nos assombram com sua crueldade sem limites? Vivemos num paraíso tropical, rodeados de
flores exóticas, orquídeas e bromélias como nos mostram os relatos dos
navegadores que por essas terras circularam? Ou
num ambiente urbano degradado e hostil, ameaçados a cada passo pela crueldade e violência de uma sociedade
desestruturada, transformando-nos aos poucos sem nos darmos conta, em seres desumanizados,
perplexos e assustados, bizarros
personagens de Ionesco, transmutados em rinocerontes, lebres ou suínos?
Muitas questões são propostas por
essa série de pinturas de Lindote. Interpretá-las desta ou daquela
maneira não esgota evidentemente seus
significados.
Por sinal, uma das características mais admiráveis presente
em todas as suas fases , é o modo com
que articula suas propostas, fazendo com que vivenciá-las seja sempre mais importante que compreender de imediato seus desdobramentos e possibilidades.
Indo do minucioso ao monumental,
essas grandes telas com seu reflexos neo-expressionistas
de forte conteúdo emocional, mostram um
artista que soube apagar traços de sua própria identidade, para questionar
estereótipos utilizando apropriações e
recursos expressivos eficazes, capazes
de provocar debates sobre o significado de tais apropriações.
Significados que, sem dúvida, serão alterados na medida em
que se distanciar a própria perspectiva histórica em relação aos mesmos.
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