O pronunciamento do administrador
e curador do MASC Josué Mattos, no encontro
histórico do dia 27 de abril de
2017, inicia toda uma nova etapa para a
arte catarinense, que passa a contar com
uma liderança de indiscutível capacitação para fazer com que o principal museu de arte de Santa
Catarina desempenhe plenamente suas
funções.
Uma série de fatores uniram-se e
agora, felizmente, as coisas tomaram outro rumo e parecem que vão mesmo mudar.
O resultado mais imediato dessa mudança já pode ser sentido na maneira
como a FCC se fez presente com toda sua
equipe gestora na reunião convocada pela nova direção do MASC, que reuniu artistas, críticos, jornalistas e
intelectuais praticamente lotando a plateia do cinema do CIC para discutir pela
primeira vez em público o destino e o papel do nosso principal museu de arte.
Com pronunciamentos claros,
objetivos, sem as desculpas e os nhem-nhem-nhem de sempre, a nova direção
da FCC soube admitir os erros que provocaram as recentes polêmicas envolvendo
os destinos do MASC, comprometendo-se a superá-los. Na oportunidade desse encontro, prestigiado
pela presença de toda a equipe da FCC, ao dialogar com o público presente,
Josué Mattos mostrou que não é apenas um curador de reconhecida competência,
mas um gestor que sabe pensar os caminhos a serem trilhados para atingir os
objetivos a que se propõe como administrador.
Dentre os diversos tópicos abordados em seu
pronunciamento, merece destaque a ênfase que deu ao fato de que o MASC foi
criado não por iniciativa do poder público mas sim por toda uma geração de
artistas comprometidos com a modernidade que não mediu esforços para deflagrar
um processo de atualização da arte catarinense
até então parada no tempo e no
espaço. ASSIM, CONFORME AFIRMAMOS EM
TEXTOS DESTE BLOG, JOSUÉ REAFIRMOU EM
SUA FALA QUE O MASC PERTENCE AOS ARTISTAS CATARINENSES E AO PÚBLICO QUE O
PRESTIGIA! Ao poder público, que
depois oficializou a criação do museu de
arte encampando a ideia do grupo de artistas considerados meio malucos na
época, cabe respeitar essa vocação de
origem, jamais repetindo o que fizeram
recentemente, entregando-o a leigos,
como se tratasse de apenas mais uma
repartiçãozinha qualquer. Cabe aos artistas e as suas associações de classes ficarem atentos, não permitindo que essa
insensatez e desrespeito se repitam
jamais na nossa história.
Mas voltemos ao período de criação do MAMF (Museu de Arte
Moderna de Florianópolis) pelos jovens
do Grupo Sul, embora como o próprio Josué
citou, o modernismo tardio que chegava a Santa Catarina no final dos anos
quarenta já tivesse uma defasagem de origem em relação as vanguardas
internacionais, em termos de Brasil a semana de arte moderna representou não
obstante isso, um avanço incomensurável
em relação ao tipo de arte que se praticava no país, e de certa forma criou uma
maneira peculiar de pensar, revelando sua própria versão de modernidade. Ao chegar a Santa Catarina, essa preocupação
inicial do modernismo com a questão da identidade nacional, acabou estimulando
alguns integrantes do GAPF (Grupo de
Artistas Plásticos de Florianópolis) a
buscarem nos temas regionais uma suposta identidade catarinense.
De início, rejeitados pelo público e pela sociedade local (um colunista social da época chegou a jogar
milho no espaço de uma exposição do GAPF para ridicularizar os galos do genial
Meyer Filho), os artistas plásticos surgidos a partir do Grupo Sul, da mesma
forma com que seus colegas escritores tiveram que enfrentar as paliçadas dos
parnasianos que se abrigavam na Academia
Catarinense de Letras, tiveram, por sua vez, que desafiar e enfrentar o
anacronismo dos cânones acadêmicos vigentes na sociedade local. Aos poucos, o público foi se acostumando,
entendendo e aplaudindo. Criou-se então uma nova tradição de figuração lírica
modernista regional que a crítica paranaense Adalice Araújo com sua tese de doutorado nos
anos setenta, vai intitular de mito-mágica. Nessa tese brilhante, Adalice fala sobre a existência de
um espaço catarinense cujas peculiaridades refletiam-se nas obras de nossos artistas mais representativos da época.
Até ai tudo bem, mas considerando
que estávamos em plena vigência da pós-modernidade, as questões a serem encaradas já eram outras bem diversas
daquelas propostas pelo Grupo Sul nos anos quarenta. Fiz parte, juntamente com
Max Moura, Jayro Schimidt e outros da primeira geração pós-moderna catarinense
que surgia no período do final dos anos sessenta. A história repetiu-se, fomos
hostilizados, tachados de malucos e até proibidos de participar dos vernissages
do MAMF. Eu e Max inclusive fomos
impedidos de expor na única galeria da cidade que pertencia a radio Diário da
Manhã. A exposição minha e do Max que já tinha ido residir em São Paulo, só
ocorreu pela intervenção de Carlos Humberto Correia que nos cedeu o hall do TAC para que a mostra pudesse
acontecer.
Como estávamos propondo uma
linguagem nova para os parâmetros locais vigentes, provocamos ira e indignação
que o tempo transformou em reconhecimento.
Quanto mais provinciano é um
ambiente, mais ele resiste ao novo e ao
que vem de fora, talvez por um medo inconsciente de perder sua própria
identidade.
Atualmente, ao menos a capital do
Estado mudou, tornou-se mais cosmopolita, mais informada, menos fechada sobre
si mesma. Mas ainda existem grandes focos de reação e de resistência ao que vem
de fora. Prova disso é a desconfiança de alguns quanto às intenções do novo
curador do MASC. Apesar de os planos que
Josué Mattos já traçou nesse pouco tempo, expostos com objetividade e clareza no encontro do dia
27, demonstrarem claramente o
compromisso com a valorização da arte
catarinense e a compreensão de suas especificidades regionais e históricas,
ainda tem gente duvidando do acerto de
suas propostas. O tempo esclarecerá essas
dúvidas.
Já abordando outra questão e respondendo a
pergunta de uma jornalista sobre a necessidade urgente de criação de um
conselho consultivo, ele foi bem feliz
ao questionar em sua resposta a forma como editais são analisados as
pressas por comissões que tem no máximo três dias (por vezes apenas uma tarde)
para analisar e julgar as centenas
de propostas dos concorrentes a cada
edital.
Falou também da necessidade de serem criadas
outras formas de participação que evitem os constrangimentos de artistas com
décadas de percurso terem que se submeter aos apressados pareceres das
famigeradas comissões seletivas, bem
como de substituir essas apressadas avaliações por uma equipe de pesquisadores
que sem pressa e com profundidade possam proceder a uma pesquisa de trajetórias, percursos,
poéticas e criação de linguagens por parte dos
artistas propositores.
Uma vez validada a proposta,
seria dada carta branca e uma ajuda de custo ao propositor para executá-la .
Essa forma mais adequada já colocada em prática por varias instituições funciona muito
melhor que esses sistemas puramente
burocráticos que obrigam os artistas a preencherem um monte de fichas, pagar taxas e a taxas
para no final das contas terem seus
trabalhos avaliados em questão de minutos por quem em geral
desconhece totalmente sua trajetória.
Quando se trata de arte
contemporânea, não é mais possível utilizar os mesmos critérios que se utilizava para analisar por exemplo a
qualidade de uma escultura, pintura ou desenho. Uma obra aberta precisa ser
avaliada em todo seu processo de criação, sua poética, é necessário avaliar a coerência e relevância das questões propostas, adequação
da linguagem utilizada e muitos
outros aspectos que exigem
sobretudo pesquisa e tempo para serem
analisados. O conselho consultivo de um
museu é importante para auxiliar nesse processo, para propor estratégias e
dialogar com o curador mas nunca para
engessar ou burocratizar suas decisões.
Conversando com alguns artistas,
percebi uma preocupação com a possibilidade de que a nova direção do MASC
privilegie apenas artistas do eixo
Rio-São Paulo deixando a arte catarinense em segundo plano. Pelo que
ouvimos nesse primeiro encontro com os
artistas, essa preocupação parece-nos
infundada e improcedente. Josué Matos possui uma consciência bem clara
da sua responsabilidade como mentor intelectual do principal museu de arte de
Santa Catarina e temos certeza que
saberá desempenhar sua novas funções com o mesmo brilho com que vem exercendo
seu papel de curador, que já lhe conquistou o reconhecimento nacional. Isso ficou bem claro na decisão de
iniciar a programação de sua gestão mostrando nas próprias salas do MASC a
coletiva de jovens artistas que através
dela protestaram contra a não continuidade do Salão Nacional Victor Meirelles,
que bem ou mal era uma da poucas oportunidades para nossos artistas e público
terem um contato direto com a produção contemporânea nacional, ao mesmo tempo
que dava visibilidade para a arte catarinense da atualidade. Caracterizada pela
experimentação e pesquisa, essa exposição organizada pelo Coletivo NaCasa, faz
com que o MASC retome seu papel fundamental de tornar-se um espaço que
estimule a reflexão, o questionamento e o debate permanente sobre questões
básicas da contemporaneidade.
Como bem ressaltou Josué em seu
histórico pronunciamento, não tem cabimento o MASC restringir-se a prosaica
missão de pendurar ‘quadrinhos na parede’ para vender para os decoradores de
plantão.
Uma das próximas mostras que o MASC trará para o vão central do museu (claraboia) será
um specific-site do artista
florianopolitano Roberto Freitas. Roberto formado na UDESC vem destacando-se
por suas instalações sonoras que ampliam o campo de nossas percepções através
da utilização dos sons.
A análise consistente, o olhar inteligente e sensível sobre a produção contemporânea
que tem caracterizado a atuação
profissional de Josué Mattos enriquece sobremaneira o MASC, ampliando consideravelmente as
possibilidades e o alcance de sua atuação. Era justamente isso que faltava e o principal motivo pelo qual tanto lutamos. O MASC portanto está em boas mãos e os
artistas catarinenses não tem com o que se preocupar. Trata-se agora de cada um colaborar com seu interesse e
participação para que esse processo de
renovação atinja o Estado como um
todo!
Graças aos céus, dessa vez os
deuses foram generosos com Santa Catarina!!!
MAKTUB.
MAKTUB.
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