Kátia Pensa Barelli, Josué Mattos e Cláudia de Figueiredo |
Como
já é do conhecimento público, o MASC, após
longo período de hibernação, volta a ser conduzido por um nome realmente capacitado para exercer plenamente as funções de líder de
todo um processo de revitalização e recuperação da credibilidade ameaçada por
desatinos como os que presenciamos
recentemente.
Nomeado
para o cargo de administrador do MASC, o catarinense de Criciúma Josué Mattos, tem em seu currículo dentre
outras realizações, a curadoria da
TRIENAL DE ARTES FRESTAS de SOROCABA, evento que recebeu as mais elogiosas avaliações por parte da critica nacional.
Obra: Exit ball, 2009, de Romuald Hazoumé- Trienal Fresta |
Sobre
essa Trienal, Angélica de Moraes, uma das críticas mais atuantes e importantes
do país, escreveu: ”É com um suspiro de
alivio e gratidão que saí da visita a
primeira Trienal de Artes Frestas,
excelente curadoria de Josué Mattos para o SESC de Sorocaba-SP. EXISTE COMPETÊNCIA
NESSA ÁREA”, e conclui, afirmando que “o que a 31° Bienal de São Paulo extirpou
quase por completo de nossa vista, a Trienal de Sorocaba nos restituiu”.
Obra que participou da Primeira Trienal Fresta - Curadoria Josué Mattos |
Nossa
insistência em indicar o nome de Josué para administrar o MASC, não aconteceu
por implicância pessoal para com esse ou
aquele nome, mas pela certeza de que ao valorizar seus talentos, Santa Catarina
estaria fazendo sua escolha certa. Felizmente, nossa indicação foi levada em
conta pela nova gestão da FCC, que ao
que tudo indica recuperará o tempo perdido pela cultura catarinense nestes
últimos anos, criando condições para que
ela se reestruture e avance.
A
indicação do nome de Josué já tinha sido feita anteriormente. Cerca de um ano e meio atrás, inclusive, fomos
recebidos pelo então secretário de cultura Felipe Melo, que em princípio
concordou com nosso pleito, mas disse
que a sugestão teria que passar pela aprovação do jurídico. Estavam presentes nessa reunião além de mim, o
administrador do MASC da época Kim Isac, o próprio Josué e as artistas
plásticas Cassia Aresta e Karina Zen.
Antes
dessa reunião, havíamos enviado um
ofício ao governador do Estado e para a superintendente da FCC, Sra. Terezinha, que declarou a imprensa que
o gestor do MASC já tinha sido nomeado, sem
sequer dignar-se a responder nosso ofício. Era assim que nossos artistas
eram tratados, como se a questão do
MASC fosse um assunto deles e não nos
dissesse respeito.
Com
a nomeação de Rodolfo Pinto da Luz, encaminhamos novamente um ofício para a
superintendência da FCC com a sugestão
de três nomes para a administração do
MASC, dentre os quais estava incluído novamente
o de Josué. O professor Rodolfo tem conhecimento das questões pertinentes à
área cultural, sabe tomar as direções certas e sempre soube ouvir as vozes dos
artistas, pautando suas decisões pelo
discernimento e bom senso. Isso nos estimulou a tentar de novo, apesar de
termos sido solenemente ignorados pela gestão anterior da FCC, e tendo de assistir calados “a vaca indo pro
brejo”. A imprensa local ignora completamente qualquer assunto que não prime
pela futilidade, assim restou-nos criar esse blog ‘Com a Pá Virada’, que nesses
poucos meses de existência já conta com mais de vinte e duas mil visualizações.
Faz
toda a diferença termos a frente da Fundação Catarinense de Cultura, alguém que saiba de fato avaliar os
problemas que a instituição enfrenta,
propondo soluções, e que ouça as
vozes dos artistas dos diferentes
setores, pois são eles que, melhor que ninguém, têm condições de avaliar o
desempenho deste órgão tão vital para o amadurecimento da atividade artística
entre nós. Felizmente nossa sugestão foi ouvida, e ao menos o MASC está a salvo
por enquanto.
Mas
muito ainda precisa ser feito. É preciso repensar muita coisa! O CIC, por
exemplo, para bem desempenhar seu papel,
deve deixar de ser apenas mais uma repartição burocrática ‘meia-boca’, transformando-se, de fato, num centro dinâmico
de criação, com oficinas e ateliers ocupando toda a área que foi projetada e
construída exatamente para isso.
Por
problemas que todos conhecem, na recente restauração, metade do prédio nem foi
reformado, apesar da fábula que se gastou quando as obras foram feitas.
Parte
da construção virou um quase cortiço, com corredores lúgubres cobertos por
tapumes improvisados, onde se desenvolvem os trabalhos burocráticos da FCC.
O
GOVERNO DO ESTADO POSSUI VÁRIOS IMÓVEIS, QUE PODERIAM MUITO BEM ABRIGAR A SEDE
ADMINISTRATIVA DA FCC, LIBERANDO O PRÉDIO DO CIC PARA AS ATIVIDADES CULTURAIS.
No
momento atual, nem mais existe o atelier
de pintura, que foi construído junto com
as oficinas, e acabou sendo utilizado
para abrigar a escolinha de arte. A
escolinha de arte é importante, mas não
se justifica que a mesma se instale
junto de oficinas cujos objetivos são outros. Nas oficinas, busca-se a formação e aprimoramento de artistas, que ali tem contato direto com as mais
diferentes técnicas e linguagens, orientados por profissionais
competentes. Nas oficinas do CIC, vem-se
formando gerações que tem dado contribuição fundamental para a arte praticada
em Santa Catarina. Ao invés de diminuírem a área de atuação das oficinas, destinando
seu atelier de pintura para outras finalidades, deveriam é expandir seu alcance por todo o Estado,
através do deslocamento de suas
atividades, ou mesmo através da criação
de bolsas e residências que possibilitem aos artistas catarinenses de outras
regiões terem acesso a seus cursos.
Quanto
a Escolinha de Arte, seus objetivos não
são a formação de artistas, mas sim
proporcionar as crianças uma oportunidade de desenvolverem sua criatividade
expressando-se através dos meios que a arte oferece. Os objetivos das
escolinhas são bem distintos daqueles que norteiam um atelier de adultos. Pena que a FCC ainda
não tenha percebido isso! Talvez agora, com um gestor capacitado e que sempre ouviu as vozes dos artistas, as
coisas tomem outro rumo. É o que todos esperamos.
Uma
boa sinalização neste sentido, foi dada
pela nova direção da FCC, através da indicação do nome de Josué Mattos
para a administração do MASC. Referendado
pelos artistas catarinenses através de suas entidades de classe, Josué foi um
dos nomes propostos para essa função pela sua brilhante atuação profissional e
formação. Nome com transito nacional,
saberá por certo reconduzir o MASC ao seu destino, deixando para trás os
recentes tropeços.
Importante
também a nomeação de uma curadora adjunta para a área de arte educação, área
fundamental para um museu de arte. O MASC sempre teve presente essa importante
função que dentro dos seus limites procurou desempenhar. Com a
formação acadêmica da nova responsável por essa área, com certeza essas
atividades serão consideravelmente ampliadas e amadurecidas.
São
novos tempos com bons sinais.
Sinceramente,
com o que vinha acontecendo nas gestões anteriores da FCC, o panorama que se
delineava era totalmente desolador. Tratar com pessoas que não entendem nada do
assunto é desgastante e de todo inútil, pois fala-se
línguas diferentes e não se chega
a conclusão nenhuma. O pior de tudo é a postura imperial de quem acha que por
estar temporariamente no poder, tudo pode.
Nestes
tempos sinistros, que felizmente ficaram para trás, coisas abomináveis ocorreram e acabaram
por afastar do CIC toda a inteligência
local que foi claramente hostilizada.
De
certa feita, jovens estudantes de artes cênicas foram grosseiramente escorraçados ao ensaiarem na frente do prédio sob a
alegação de que colocavam o patrimônio em risco. Em outra ocasião, quando
ocorreu a ocupação do CIC (Movimento
Ocupa CIC!), o superintendente imperial simplesmente recusou-se a falar com artistas e associações das mais diversas regiões do Estado, que ali estavam para propor mudanças na
situação intolerável de descaso e omissão. Ao invés de dialogar educada e
civilizadamente, o então superintendente limitou-se a ignorar as questões
levantadas. O CIC pertence aos artistas
catarinenses e ao público que prestigia suas atividades, isso tem que ficar
sempre bem claro! Subestimar a inteligência, sensibilidade e capacidade crítica
do público como fizeram na gestão passada, chegando a colocar um elefantinho
branco todo decorado (uma gracinha!!)
na frente do centro cultural, como se obra de arte fosse, é no mínimo um deboche para com a cidade e o Estado, sinal evidente do despreparo e da absoluta falta de
noção do que se conceitua como arte e cultura por parte de quem estava
responsável na época pelo local,
onde aterrizou o gracioso elefantinho.
Cada
coisa no seu lugar. Eventos como as ‘Cow Parade’, ‘Elephant
Parade’ ou seja lá que ‘parade’ for, pertencem a área do entretenimento, são
engraçados e divertidos mesmo que de gosto discutível, mas não podem ocupar os
espaços destinados às legitimas manifestações culturais de um povo, sob pena e
risco de reduzirem tudo a fútil mediocridade descompromissada da
cultura de massas, proposta pelo sistema argentário em que vivemos, que só leva
em conta as finalidades marqueteiras e o
lucro.
Aliás,
falando nas “parades” da vida, o administrador do Masc na época, afirmou,
através de uma publicação aberta na página (facebook) do próprio museu, que a mostra A
Pele “coloca a exposição local em outro patamar”. Não dá para se entender
direito o que quis dizer com isso, talvez estivesse se referindo ao evento
dentro da mostra, que colocou 33
artistas participantes para pintar cada qual uma árvore vermelha, com o detalhe
de que nenhum deles teve o aval de um curador capacitado e muito menos do
conselho consultivo do museu, já que o mesmo encontrava-se desativado a mais de
um ano. É ai que está a questão! Do jeito que a coisa foi feita, parecia
tratar-se de uma versão ‘singular’ dos eventos ‘parade’. No caso, essa Tree Parade (alameda coletiva de árvores vermelhinhas),
dá seqüência a eventos de igual natureza. Tal como no ‘parade’ original, as obras serão leiloadas no final da exposição,
através de leilão com fins filantrópicos. Não é necessário dizer que o Masc não
é o lugar adequado para eventos de tal natureza, que definitivamente não levam
em conta a principal característica de uma proposta que é a sua qualificação e
relevância cultural, reconhecias por profissionais da área.
Em
1976, o crítico Olívio Tavares de Araújo,
curador da mostra ‘Brasil ARTE Agora’, percorreu os atelies dos artistas catarinenses buscando nomes que pudessem representar o
Estado no evento. Suas impressões, registradas
no catálogo da mostra foram as piores e afirmou:”-Em Santa Catarina prevalecem trabalhos anacrônicos
e de tosca execução”.
Na
época, estávamos retornando para Santa Catarina e refletimos sobre a gravidade
da situação denunciada nas palavras de Olívio. Algo precisava ser feito para
reverter o quadro.
Começamos
pela maneira que estava mais ao alcance, que eram os textos enviados aos jornais
em que
denunciávamos a opressão do mau gosto provinciano, o comodismo e o
marasmo. Depois, partimos para a organização da classe artística em torno das
associações que foram sendo criadas. Assim que o MASC mudou-se para o CIC,
conseguimos que o governador do Estado da época, Esperidião Amin, cedesse o
local para sediar a ACAP (Associação Catarinense dos Artistas Plásticos), que
eu presidia. Ali, desenvolvemos um
trabalho que foi colocando novas questões para nossos artistas. Realizamos
mostras de out-door, propondo o
desafio do grande formato e da intervenção urbana. Mostras de arte na rua como
os estandartes, alcançaram repercussão
nacional, e foram aos poucos dando visibilidade ao que se fazia por aqui.
Cursos
de arte contemporânea, primeiras performances
e instalações mostras de arte
postal, intercâmbios com artistas de outros estados, tudo foi ocorrendo de
forma planejada de modo a proporcionar uma atualização aos artistas e ao
público, movimento que foi reafirmado quando através da ACAP, conseguimos que
Harry Laus fosse consolidado para diretor do MASC.
Lembro-me
dos almoços semanais com o Harry ali na Tiradentes, quando ficávamos
arquitetando o que faríamos a seguir para
estimular o processo de renovação que ocorria.
Após
uma década de conquistas e lutas, foi montado em 1990 o ‘Panorama do Volume’ no
MASC, divisor de águas que demonstrou o quanto os artistas catarinenses
tinham evoluído em termos de atualização e assumido os desafios de sua época. A
crítica paranaense Adalice Araújo, em sua coluna de artes plásticas da Gazeta
do Povo, de Curitiba, considerou essa mostra como sendo de padrão internacional,
e afirmou que vários dos artistas
participantes não ficavam nada a dever em relação ao que estava sendo feito nas
principais mostras internacionais de arte.
Como
vemos, o progresso foi considerável. Por essa mesma época, a UDESC transformou
seu curso de educação artística em bacharelado e passou a alicerçar e dar
sustentação teórico-prática aos novos
artistas que foram surgindo. Apesar das inevitáveis
atitudes reacionárias dos que queriam a todo custo manter o status quo de acomodação e anacronismo,
o processo de renovação foi se consolidando. Por dez anos assinei colunas de
arte nos jornais locais, eu e Harry deflagramos um verdadeiro fogo cerrado
contra a opressão do mau gosto provinciano.
Hoje,
dezenas de artistas catarinenses fazem
parte do circuito nacional de artes.
Muita
coisa mudou, porém é necessário continuar a luta para não permitir retrocessos nem
deixar que o marasmo e a mediocridade
pretensiosa novamente se instalem. E é justamente ai que o MASC tem que continuar exercendo o papel fundamental que teve na instauração desse processo de
qualificação e atualização da arte praticada em Santa Catarina.
Já
tínhamos decidido pendurar as chuteiras, pois é cansativo e chato bater sempre
nas mesmas teclas, mas quando a gente pensa que as conquistas foram
consolidadas, lá aparece um zé mané da vida e
ameaça botar tudo a perder.
Fatos
aparentemente sem importância, tais como o de uma exposição ocorrida nas dependências
do MASC sem o aval de um curador ou de
um conselho consultivo, não são tão inocentes assim como parecem.
Eles
abrem precedentes para o ‘estouro da boiada’ e dai não tem como consertar o
estrago. Uma vez que se perdem os parâmetros, nada mais pode ser feito, pois
tudo se reduz a vala comum da mediocridade.
Analisemos,
por exemplo, a possibilidade de que hoje, algum crítico do eixo Rio-São Paulo, de
passagem pela capital catarinense, resolvesse visitar o MASC de surpresa para conferir o que se está fazendo por aqui.
Ao
deparar com a bizarra ‘alameda de arvorezinhas vermelhas’, expostas nas salas do museu, levaria um susto e veria de tudo: árvores com
penduricalhos tipo espelhinhos, borboletas, fitas, coraçõezinhos, etc.. Veria também, como se
obras de arte fossem, galhos pintados de vermelho com latas embutidas, árvores
com seios, ninhos com ovinhos, abelhinha sobrevoando o umbigo, árvores de
olhos... Veria de tudo enfim, desde árvores
com casinhas penduradas pintadas por
quem fez sua primeira “pintura” na vida, até as interpretações mais toscas e anacrônicas como jamais se viu no MASC! A conclusão do visitante se se propusesse a
analisar o que viu não poderia ser outra: o texto de Olívio Tavares escrito a
quarenta anos atrás ainda teria sua razão de ser. Se o principal
Museu de Arte do Estado coloca e endossa com orgulho a sua “Tree Parade” e coisas que tais, como
referência do que se conceitua como arte
por aqui, realmente é inevitável concluir que “em Santa Catarina continuam
prevalecendo trabalhos anacrônicos e de tosca execução”.
Entenderam,
caros leitores, a real dimensão do problema?
Felizmente,
parece que por ora, o pesadelo acabou,
mas é necessário continuarmos atentos e
vigilantes.
A batalha foi vencida mas a luta continua.
(continua..)
Bravo!
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