No começo dos anos 80, ao ser eleito para assumir a presidência da Associação dos Artistas Plásticos de Florianópolis, cargo deixado vago com o pedido de demissão de Eli Heil que presidia a entidade, tomei, de imediato, várias providências para expandir a área de ação da entidade, dar mais visibilidade à produção das artes plásticas catarinenses e ampliar o campo profissional de nossos artistas.
Visando liderar a movimentação das artes plásticas em todo o estado, mudamos o nome da associação, que passou a se chamar ACAP (Associação Catarinense dos Artistas Plásticos). Por tratar-se de uma entidade que reunia artistas plásticos de todas a regiões do estado, pleiteamos e obtivemos o espaço da ex-alfândega para sediar nossas atividades, uma vez que o MASC que ali estivera, havia se mudado para o prédio do CIC.
Com toda a infra-estrutura propiciada pelo espaço, situado num dos pontos mais centrais da cidade, iniciamos uma série de ações que mudaram radicalmente os perfis da arte produzida até então entre nós.
Visando uma atualização, organizamos mostras de outdoor, estandartes, intervenções urbanas, instalações, performances, arte postal, etc., colocando os artistas catarinenses sempre frente a novos desafios. O resultado dessa movimentação dos anos 80, pode ser conferido no 'Panorama do Volume', que decidimos, eu e Harry Laus, promover no MASC, em 1990. Colocando frente a frente os artistas com a linguagem tridimensional, conseguiu-se um resultado que extrapolou os limites de Santa Catarina. A 'Gazeta do Povo', de Curitiba, publicou uma extensa análise da crítica paranaense Adalice Araújo que, entre outros elogios, afirmava que o nível do 'Panorama do Volume' nada ficava a dever às melhores mostras internacionais congêneres.
Percebendo a importância desse grande divisor de águas entre o anacronismo reinante a poucas décadas atrás, e as linguagens das novas gerações que se impunham, em 1985 encaminhamos à câmara municipal um projeto de arte pública semelhante ao que já existia na cidade de Recife, em Pernambuco. Os objetivos eram estimular os artistas a abandonarem a linha de conforto e passarem a encarar os desafios que essa questão tão importante da contemporaneidade propunha a todos.
Ampliar o mercado profissional de nossas artes, humanizar o espaço urbano, permitindo um contato direto da arte com o grande público, foram os principais motivos que nos fizeram tomar esta iniciativa, cujos frutos hoje podem bem ser avaliados com o lançamento da histórica edição do livro-catálogo Florianópolis Arte Pública 1990-2015.
O processo inicial que deu origem a essa lei, foi o envio que fizemos para a câmera de vereadores de Florianópolis, de um texto baseado na lei de arte pública de Recife que tornava obrigatório a inclusão de obras de arte em edificações de mais de 1000 metros quadrados. Sob a alegação de que a inclusão obrigatória de obras de arte iria onerar o custo de cada edificação, o projeto foi rejeitado. Anos depois, fui chamado na câmara, pois havia interesse das construtoras de que a lei fosse implantada, desde que a colocação das obras não fosse obrigatória mas opcional e caso a construtora fizesse uso da mesma, seria beneficiada com 2% a mais sobre a taxa de ocupação. Essa alteração tornou a lei viável e possibilitou a sua implantação.
Sonhávamos que com a existência dessa lei de arte pública, finalmente seria possível termos painéis murais ou esculturas de Eli Heil, Cascaes, Pléticos, Meyer Filho, Vechietti, Martinho, Hassis e tantos outros espalhados pela cidade. Infelizmente, devido a uma série de fatores, isso não ocorreu.
Como o assunto da arte púbica nunca havia sido levantado, de início foi difícil convencer os artistas a enviarem projetos para o IPUF ou procurarem as construtoras. Os primeiros passos na implantação desta lei foram tímidos e tateantes, mas pouco a pouco, artistas de outras gerações começaram a se interessar e por volta de 1995 começaram a aparecer as primeiras obras significativas.
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Obra de Nani Eskelsen |
A comissão de arte pública foi criada. Aprimorada através dos anos, passou a ter papel fundamental para o sucesso do projeto. Dialogando com os artistas, levantando questões, sugerindo estratégias, propiciou um amadurecimento gradual de todos os envolvidos na questão. Hoje, decorridos 25 anos da data de implantação do projeto, a cidade ganhou um acervo considerável de arte inserida em seu espaço urbano. Atualmente, mais de 300 obras espalham-se pelos mais diversos pontos no centro e nos bairros. Ampliando consideravelmente o campo profissional para nossos artistas, essa lei deu maior visibilidade à produção contemporânea catarinense, lançou novos artistas e sobretudo enriqueceu nosso espaço urbano.
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Obra de Giovana Zimermann
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A equipe de arte púbica do IPUF, juntamente com a comissão municipal de arte pública Comap, enfrentou com galhardia problemas e desafios de toda especie.
Com muita competência, paixão, idealismo e persistência, conseguiu fazer com que nossa lei de arte pública seja hoje, por seu alto padrão, um paradigma, reconhecido pela sua qualidade tanto nacional como internacionalmente.
Num país onde quase inexistem políticas definidas nem regras claras para a questão da arte pública, é fácil avaliar a importância de que se reveste todo esse processo de implantação e viabilização das ideias contidas no projeto.
Vários técnicos do IPUF e colaboradores contribuíram para que se alcançasse um patamar de excelência. Destacam-se, dentre os vários gestores, os trabalhos de Lú Pires, coordenadora da comissão de arte, e César Floriano, seu principal mentor intelectual.
Com uma consistente formação profissional e uma paixão sem limites pela questão da arte pública, Floriano ampliou com seu olhar o alcance das propostas inicialmente colocadas no texto original da lei.
Podemos considerar que a forma como a lei de arte pública foi viabilizada e implantada na capital do estado, fez dela um dos fatores mais relevantes para o estímulo, atualização e aprimoramento das linguagens utilizadas por nossos artistas para darem o seu recado.
Despertando um novo olhar naqueles que a encontram no seu dia-a-dia, as obras de arte pública, além de propiciar uma fruição estética a todos, contribuem e muito para a educação artística do público. Humanizam o espaço urbano, tornam-se um referencial da paisagem e do espaço, funcionam entre tantas outras finalidades como um despertar da sensibilidade e uma introdução ao gosto pela arte.
Afinal, uma das funções humanas mais vitais é justamente a criação e a fruição da obra de arte. Parabéns, pois, a todos que tornaram possível esta realidade, hoje vivenciada na capital catarinense.
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Obra de Paulo Gaiad
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